Tenho recebido e-mails contra
o fator previdenciário, mecanismo criado em 1999 segundo o qual a pessoa terá uma
aposentadoria tanto menor quanto
mais jovem ela for e quanto maior a expectativa de vida do brasileiro medida
anualmente pelo IBGE. A idéia é desestimular a aposentadoria precoce. Muitos dizem que, tendo começado a trabalhar cedo, esperavam se aposentar
com o valor cheio da aposentadoria
aos 35 anos de contribuição, mas descobriram que o valor seria bem inferior em função da idade. Um leitor, trabalhador sério e aplicado, começou a
trabalhar aos 15 anos, contribuiu por
35 anos e esperava se aposentar aos
50, "tendo mais tempo para gozar a vida". Ficou perplexo ao saber que teria
de trabalhar muitos anos mais para
que tivesse direito a receber o valor
que julgava de direito seu agora. Por
essa razão, pediu um artigo meu defendendo um projeto do Senado que
extingue o fator previdenciário.
Não farei isso porque defendo algo
ainda mais duro: o estabelecimento
de uma idade mínima para aposentadoria, coisa que até agora o Congresso não aprovou. O futuro do nosso
país depende disso.
Nenhum brasileiro em particular tem
culpa da situação em que vive o país, e
é compreensível que muitos se sintam
revoltados ao verem adiados planos
acalentados durante anos. Mas não há
alternativa. As despesas com as aposentadorias do INSS e do setor público consomem cerca de 56% de todos os gastos
não-financeiros do governo. Assim, tirando gastos como salários de funcioná-
rios, saúde e assistência social, sobram
apenas 8,1% para todas as outras despesas, como educação, reforma agrária,
agricultura, militares, segurança etc. Para investimentos, que são as obras em
infra-estrutura necessárias para que o
Brasil cresça e gere emprego, restam
apenas minguados 2,9%, um nada, o que
nos deixa com os mesmo gargalos: portos ruins, estradas péssimas, ausência
de ferrovias, problemas na ampliação
da geração de energia e tanto mais.
A reação imediata é a indagação: e
por que os aposentados é que têm de
pagar a conta? Não têm, porque com
direito adquirido não se mexe. Quem
terá de pagar a conta somos nós, que,
no momento, temos apenas a expectativa de um direito e não o direito em
si. Porque as distorções em nossa
previdência são muitas.
No Brasil, a maior parte do dinheiro
pago em aposentadorias, 40%, vai para
pessoas com idade entre 40 e 60 anos;
na Espanha, 45% do dinheiro, também a
maior parte, vão para aqueles acima de
70 anos. No Brasil, 50% de todo o dinheiro pago em aposentadorias vão para
pessoas que estão entre os 10% mais ricos da população; na Espanha, os recursos são distribuídos por todas as faixas
de renda. Ou seja, no Brasil, grande parte dos aposentados é jovem e está no
topo superior da renda. O grande responsável por esse descalabro são as
aposentadorias do setor público. Para atender a um milhão de funcionários
públicos aposentados, o déficit é de R$
39,2 bilhões; para atender a 21,1 milhões
de beneficiários do setor privado, o déficit do INSS é de R$ 37,8 bilhões.
No setor público, uma emenda à
Constituição conseguiu em 2003 estabelecer idades mínimas para a aposentadoria: 60 para homens e 55 para mulheres. Mas, no setor privado, ainda não há
limites: o fator previdenciário foi a fórmula, imperfeita, para retardar a aposentadoria. Com ele, a idade conta mais
do que o tempo de serviço: uma pessoa
com 55 anos e 35 anos de contribuição
pode ter uma aposentadoria menor do
que outra de 65 anos e 30 anos de contribuição. Antes do fator previdenciário,
a média de idade na hora da aposentadoria era de 54 para homens e de 50 para mulheres. Agora, a situação melhorou, mas ainda é muito ruim: é de 57 para homens e de 52 para mulheres.
A maior parte dos países enfrentou a
questão estabelecendo idade mínima
ou aumentando o tempo de contribui-
ção. Na Alemanha, Holanda, Suécia, México e Peru, a idade mínima é de 65
anos; na Argentina, 65 para homens e 60
para mulheres; na Colômbia e em Cuba,
60 para homens e 55 para mulheres; na
Noruega, 67 anos para ambos os sexos.
Na França, em 2003, o tempo mínimo de
contribuição passou a ser de 40 anos
(antes era de 36,5). E para estimular os
franceses a adiar a aposentadoria, o governo dá mais 3% por ano a mais trabalhado a todo aquele com 60 anos que
já pode se aposentar (até o limite de 65
anos). No Reino Unido, a idade mínima é de 65 anos, para homens, e 60 para mulheres. O tempo mínimo de contribuição é de 44 anos para homens e 39 para
mulheres. Lá, o Estado também garante
apenas um benefício básico: 84,25 libras
por semana para uma pessoa sozinha
ou 134,14 libras por semana para um casal. Para manter o padrão de vida, os
britânicos são estimulados a poupar durante a vida ativa ou a contratar planos
privados de aposentadoria.
Mesmo assim, temendo o colapso
da previdência, Tony Blair mandou no
mês passado ao Parlamento um projeto propondo que a idade mínima seja de 65 anos para ambos os sexos em
2020 e, a partir daí, vá subindo até
atingir 68 anos em 2046. Tudo porque
hoje existem quatro trabalhadores na
ativa para cada dois aposentados. Em
2050, os estudos mostram que, se nada for feito, haverá dois trabalhadores
na ativa para cada aposentado, o que
torna qualquer sistema inviável.
No Brasil, hoje, há um trabalhador
e meio na ativa para cada aposentado
no INSS e um funcionário público trabalhando para cada funcionário pú-
blico aposentado. Nesse quesito, estamos 55 anos à frente do Reino Unido. Estamos, portanto, mais quebrados hoje do que eles temem estar daqui a mais de meio século.
Neste ano eleitoral, quero ver qual o
candidato que tem coragem de contar
essa história aos brasileiros. E propor
os remédios inadiáveis.