Um custo alto, mas indispensável, para qualquer jornal é a
compra dos serviços de publicações estrangeiras: elas
são necessárias para dar ao leitor visões diversas sobre um mesmo tema.
Um artigo do "The New York Times"
pode oferecer um ângulo diferente de
outro do "El País". Antes da internet, esses serviços chegavam aos jornais por
telex. Agora, estão abertos, de graça, a
qualquer leitor no mundo. Mas os jornais que querem utilizá-los continuam
pagando por eles. Não há redação séria
que pense em publicar um artigo sem
que tenha adquirido os direitos sobre
ele. O mesmo pode ser dito em relação
a emissoras de televisão e a sites jornalísticos de empresas tradicionais de
mídia. Nenhum telejornal usaria ao vivo
imagens da multidão do lado de fora do
hospital em Los Angeles onde Michael
Jackson estava morto se não as estivesse recebendo de uma agência devidamente paga. Da mesma forma, nenhum
site de empresa jornalística reproduzirá artigos, fotos ou vídeos de outras
fontes sem autorização ou pagamento.
É uma verdade para o jornalismo, mas
também para o entretenimento.
Essa era a regra do jogo, mas, desde
que a internet se massificou, passou a
valer para uns (as empresas de comunicação tradicionais), mas não para outros (empresas que surgiram na internet). No minuto seguinte a que um artigo é publicado ou que um programa
de televisão é transmitido, centenas de
cópias não autorizadas já estão na internet, onde podem ser acessadas por
quem quiser (inclusive este artigo). Não
importa o que tenham custado às empresas que os produziram (e tudo em
comunicação é muito caro), passam a ficar disponíveis na internet sem que os
produtores sejam remunerados.
Trata-se de um efeito colateral de
uma das mais ricas revoluções que a
era digital permitiu. Ao criar as ferramentas para que as pessoas ponham
na internet o que bem entendam, essa
revolução pôs em marcha um poderoso canal para expressão de ideias e formação de comunidades. Mas, ao mesmo tempo, essas mesmas ferramentas
se tornaram num, até aqui, incontrolável instrumento de pirataria em massa.
Apenas para citar três exemplos, aquele sujeito isolado que escreve um blog
se acha no direito de publicar a íntegra
de um artigo muito interessante que
saiu no "Washington Post" ou uma foto
expressiva do "Los Angeles Times"; as
pessoas com páginas no Orkut ou Facebook fazem o mesmo também sem
maior constrangimento; e usuários do
YouTube ganharam o poder de disponibilizar no site rigorosamente tudo a
que assistem na TV ou em DVDs.
A alegação das empresas que fornecem as ferramentas para blogs, páginas
pessoais e compartilhamento de vídeos é que não são elas que usurpam o
direito alheio, mas seus usuários. E se
amparam no Digital Millennium Copyright Act, DMCA, (Lei dos Direitos Autorais no Milênio Digital). Essa lei americana reflete tratados internacionais
no âmbito da Organização Mundial de
Propriedade Intelectual (WIPO, na sigla
em inglês) e estipula que estão imunes
a processos por infração de direitos autorais os provedores de acesso que,
uma vez notificados, retirem da rede
cópias piratas. Os tratados internacionais, no entanto, são de 1996 e não anteviram o que viria depois: o Google se
tornou empresa em 1998, o Blogger, primeira grande ferramenta para blogs foi
lançado em 1999, o Facebook e o Orkut,
primeiras redes de relacionamentos
com suas páginas pessoais,são de 2004
e o YouTube, que tornou possível em
grande escala o compartilhamento de
vídeos, é de 2005. Em 1996, os criadores desses serviços tinham apenas entre 12 e 20 anos.
Na verdade, os tratados foram feitos
para aquele mundinho em que os provedores de acesso abrigavam sites majoritariamente de empresas (porque
era caro manter sites pessoais) e serviços de e-mail. Nada parecido com o
mundo do YouTube, com seus 5,5 bilhões de vídeos, ou com o Facebook,
com seus 200 milhões de usuários.
Os tratados precisam mudar para
abarcar essa nova realidade.
Muitas ações estão em curso na
Justiça americana, mas todos os
olhos estão voltados para uma delas,
à espera de decisão: em março de
2007, a Viacom, empresa que congrega, entre outras, a Paramount Pictures, deu início a um processo contra
o YouTube, alegando que, até aquela
data, 150 mil clips de produtos seus,
postos no site sem a sua autorização,
tinham sido vistos um bilhão e quinhentos milhões de vezes. Valor da
indenização: US$ 1 bilhão. O YouTube se defende afirmando que o DMCA
o torna imune a tal processo, uma
vez que nunca se furtou a tirar um vídeo de circulação quando instado
por um detentor de direitos.
Ocorre que nenhuma empresa pode
simplesmente dizer: não quero que vídeos meus sejam exibidos no YouTube;
é preciso identificar cada vídeo e solicitar a sua suspensão individualmente.
Como, então, gigantes como a Viacom
podem fazer para, diariamente, rastrear 5,5 bilhões de vídeos, descobrir
quais lhes pertencem e pedir o bloqueio? O YouTube respondeu com a
criação de um filtro, cujo mecanismo
funciona assim: um produtor deve enviar o seu vídeo para uma biblioteca;
quando algum usuário tentar colocá-lo
no site, o vídeo será identificado e automaticamente bloqueado. Parece
bom, mas é ineficiente. Se a Viacom,
por exemplo, decidisse proibir a utilização de tudo o que produz e produziu,
teria de enviar todo o seu arquivo ao
site mais o que viesse a produzir diariamente, um trabalho descomunal.
Com uma agravante. O YouTube não é
o único site do tipo. Éode maior sucesso, mas muitos mais podem surgir.
Quando forem dezenas, talvez centenas, um produtor teria de fazer esse
trabalho hercúleo para todos os sites?
Quem pagaria?
Sites como YouTube, Facebook e
de blogs são realmente fascinantes, e
hoje, indispensáveis. Mas é preciso
encontrar uma maneira de proteger o
copyright, sob pena de degradar a
qualidade do que se produz.
Não se pode ser indispensável à
custa dos outros.