Ainda o Copyright, O Globo, 30/06/2009 | Artigos - Ali Kamel 

Autor: Ali Kamel

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"Ainda o Copyright", O Globo, 30/06/2009

Um custo alto, mas indispensável, para qualquer jornal é a compra dos serviços de publicações estrangeiras: elas são necessárias para dar ao leitor visões diversas sobre um mesmo tema. Um artigo do "The New York Times" pode oferecer um ângulo diferente de outro do "El País". Antes da internet, esses serviços chegavam aos jornais por telex. Agora, estão abertos, de graça, a qualquer leitor no mundo. Mas os jornais que querem utilizá-los continuam pagando por eles. Não há redação séria que pense em publicar um artigo sem que tenha adquirido os direitos sobre ele. O mesmo pode ser dito em relação a emissoras de televisão e a sites jornalísticos de empresas tradicionais de mídia. Nenhum telejornal usaria ao vivo imagens da multidão do lado de fora do hospital em Los Angeles onde Michael Jackson estava morto se não as estivesse recebendo de uma agência devidamente paga. Da mesma forma, nenhum site de empresa jornalística reproduzirá artigos, fotos ou vídeos de outras fontes sem autorização ou pagamento. É uma verdade para o jornalismo, mas também para o entretenimento.

Essa era a regra do jogo, mas, desde que a internet se massificou, passou a valer para uns (as empresas de comunicação tradicionais), mas não para outros (empresas que surgiram na internet). No minuto seguinte a que um artigo é publicado ou que um programa de televisão é transmitido, centenas de cópias não autorizadas já estão na internet, onde podem ser acessadas por quem quiser (inclusive este artigo). Não importa o que tenham custado às empresas que os produziram (e tudo em comunicação é muito caro), passam a ficar disponíveis na internet sem que os produtores sejam remunerados.

Trata-se de um efeito colateral de uma das mais ricas revoluções que a era digital permitiu. Ao criar as ferramentas para que as pessoas ponham na internet o que bem entendam, essa revolução pôs em marcha um poderoso canal para expressão de ideias e formação de comunidades. Mas, ao mesmo tempo, essas mesmas ferramentas se tornaram num, até aqui, incontrolável instrumento de pirataria em massa. Apenas para citar três exemplos, aquele sujeito isolado que escreve um blog se acha no direito de publicar a íntegra de um artigo muito interessante que saiu no "Washington Post" ou uma foto expressiva do "Los Angeles Times"; as pessoas com páginas no Orkut ou Facebook fazem o mesmo também sem maior constrangimento; e usuários do YouTube ganharam o poder de disponibilizar no site rigorosamente tudo a que assistem na TV ou em DVDs.

A alegação das empresas que fornecem as ferramentas para blogs, páginas pessoais e compartilhamento de vídeos é que não são elas que usurpam o direito alheio, mas seus usuários. E se amparam no Digital Millennium Copyright Act, DMCA, (Lei dos Direitos Autorais no Milênio Digital). Essa lei americana reflete tratados internacionais no âmbito da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO, na sigla em inglês) e estipula que estão imunes a processos por infração de direitos autorais os provedores de acesso que, uma vez notificados, retirem da rede cópias piratas. Os tratados internacionais, no entanto, são de 1996 e não anteviram o que viria depois: o Google se tornou empresa em 1998, o Blogger, primeira grande ferramenta para blogs foi lançado em 1999, o Facebook e o Orkut, primeiras redes de relacionamentos com suas páginas pessoais,são de 2004 e o YouTube, que tornou possível em grande escala o compartilhamento de vídeos, é de 2005. Em 1996, os criadores desses serviços tinham apenas entre 12 e 20 anos.

Na verdade, os tratados foram feitos para aquele mundinho em que os provedores de acesso abrigavam sites majoritariamente de empresas (porque era caro manter sites pessoais) e serviços de e-mail. Nada parecido com o mundo do YouTube, com seus 5,5 bilhões de vídeos, ou com o Facebook, com seus 200 milhões de usuários.

Os tratados precisam mudar para abarcar essa nova realidade.

Muitas ações estão em curso na Justiça americana, mas todos os olhos estão voltados para uma delas, à espera de decisão: em março de 2007, a Viacom, empresa que congrega, entre outras, a Paramount Pictures, deu início a um processo contra o YouTube, alegando que, até aquela data, 150 mil clips de produtos seus, postos no site sem a sua autorização, tinham sido vistos um bilhão e quinhentos milhões de vezes. Valor da indenização: US$ 1 bilhão. O YouTube se defende afirmando que o DMCA o torna imune a tal processo, uma vez que nunca se furtou a tirar um vídeo de circulação quando instado por um detentor de direitos.

Ocorre que nenhuma empresa pode simplesmente dizer: não quero que vídeos meus sejam exibidos no YouTube; é preciso identificar cada vídeo e solicitar a sua suspensão individualmente. Como, então, gigantes como a Viacom podem fazer para, diariamente, rastrear 5,5 bilhões de vídeos, descobrir quais lhes pertencem e pedir o bloqueio? O YouTube respondeu com a criação de um filtro, cujo mecanismo funciona assim: um produtor deve enviar o seu vídeo para uma biblioteca; quando algum usuário tentar colocá-lo no site, o vídeo será identificado e automaticamente bloqueado. Parece bom, mas é ineficiente. Se a Viacom, por exemplo, decidisse proibir a utilização de tudo o que produz e produziu, teria de enviar todo o seu arquivo ao site mais o que viesse a produzir diariamente, um trabalho descomunal. Com uma agravante. O YouTube não é o único site do tipo. Éode maior sucesso, mas muitos mais podem surgir. Quando forem dezenas, talvez centenas, um produtor teria de fazer esse trabalho hercúleo para todos os sites? Quem pagaria?

Sites como YouTube, Facebook e de blogs são realmente fascinantes, e hoje, indispensáveis. Mas é preciso encontrar uma maneira de proteger o copyright, sob pena de degradar a qualidade do que se produz.

Não se pode ser indispensável à custa dos outros.