O
Brasil tem um generoso
programa de assistência
social. A questão é saber
se tem eficiência para gerilo e dinheiro para mantê-lo. No meu
último artigo, mostrei que há indícios
de que o dinheiro do Bolsa-Família está superdimensionado e, pior, não está atingindo apenas o público-alvo.
Assim, o governo gasta bilhões com
quem não precisa, deixa de atender a
quem necessita e o desperdício faz
faltar dinheiro em áreas cruciais: na
educação, o principal instrumento
para que a pessoa saia efetivamente
da pobreza, e em investimentos em
infra-estrutura, que prepara o país para o crescimento econômico e a geração de empregos. É triste: o pobre
fica ao mesmo tempo sem o dinheiro,
sem a educação e sem o emprego. Fica eternamente pobre. O Bolsa-Famí-
lia não é o único caso, nem o governo
Lula é o único a errar.
Em 1993, o Congresso aprovou a
regulamentação da Lei Orgânica de
Assistência Social (Loas), criada pela
Constituição de 1988. Por ela, idosos
de 67 anos ou mais e deficientes físicos incapacitados para a vida independente e para o trabalho têm direito a uma aposentadoria de um salário-mínimo, desde que tenham renda
familiar per capita inferior a um quarto de salário-mínimo. A partir de outubro de 2003, a idade mínima caiu
para 65 anos. Ao idoso e ao deficiente, basta declarar o rendimento, não
precisando comprová-lo, um direito
que a lei lhes reconhece. De 1996,
quando o benefício começou a ser pago, até 2004, 933 mil benefícios foram
concedidos a idosos e pouco mais de
um milhão a deficientes. Ocorre que
uma análise da PNAD mostra, mais
uma vez, que os governos (tanto FH
quanto Lula) podem não estar controlando como deveriam a concessão
da aposentadoria especial para que
somente aqueles realmente necessitados sejam beneficiados.
Vejamos o caso dos idosos. Nos
últimos dez anos, a população de
idosos na faixa de renda prevista pela lei tem sofrido apenas pequenas
alterações, apesar da concessão dos
benefícios, um indicativo de que o
dinheiro pode estar indo para idosos
de outras faixas de renda. De 2001
para 2002, foram concedidas 115.550
aposentadorias pela Loas, mas o número de idosos com 67 anos ou mais
com renda per capita de até um
quarto de salário-mínimo sofreu
uma redução de apenas 22.078; entre
2002 e 2003, mais 80.278 aposentadorias foram concedidas, mas o número de idosos pobres aumentou
em 11.831; e de 2003 para 2004, embora o governo tenha concedido
mais 268.289 aposentadorias, o número de idosos pobres se reduziu
apenas em 31.585. De 2004 para
2005, foram concedidas mais 143.252
aposentadorias, mas o efeito delas
no público-alvo só poderá ser medido quando sair a próxima PNAD.
Mesmo considerando que todo
ano mais pessoas chegam aos 67
anos, a PNAD revela que o número
dos que chegam à idade limite não é
nem de longe suficiente para explicar
as discrepâncias. O mesmo acontece
com o número daqueles idosos que,
mesmo recebendo a aposentadoria,
continuam com renda per capita baixa. Os indícios apontam, portanto,
para um vazamento grande. Embora
a PNAD não permita o mesmo exercício com os deficientes físicos, o
quadro deve ser parecido. O governo
diz que, de dois em dois anos, as famílias beneficiadas são visitadas, em
convênio com as prefeituras, para
que se confirme se estão dentro do
público-alvo (algo entre 200 mil e 300
mil famílias todos os anos). Até aqui,
um milhão de beneficiários foram visitados. Entre cinco e sete por cento
dos benefícios foram cancelados, um
número muito pequeno, diante do
que mostrei acima.
Há outro problema grave. Segundo
a PNAD, havia, em 2004, 3,7 milhões
de famílias urbanas em que um idoso
de 65 anos ou mais recebia uma aposentadoria de um salário-mínimo (excluí as áreas rurais para não considerar aqueles que recebem a aposentadoria rural, um benefício diferente
daquele que estamos analisando).
Todos recebem o benefício porque
contribuíram ao longo da vida ao
INSS ou porque trabalharam como
funcionários públicos. A renda obtida pela aposentadoria se mostra importante: sem ela, um milhão e quatrocentas mil famílias, 38,4% do total,
passariam a ter uma renda per capita
de meio salário-mínimo, o que as deixaria abaixo da linha da pobreza. Esses mesmos números nos colocam
diante da sinuca: do jeito que estão
desenhados, os benefícios concedidos pela Loas trazem embutidos em
si uma lógica que os perpetua. Hoje,
933 mil idosos conseguiram uma
aposentadoria sem contribuir e 3,7
milhões porque ou contribuíram ou
trabalharam tempo suficiente no serviço público. A pergunta que se faz é:
que incentivo para pagar o INSS tem
o cidadão que hoje recebe um ou
dois salários-mínimos se ele sabe
que, na velhice, quando as despesas
são menores, terá assegurado, desde
já, um benefício de um salário-mínimo? Nenhum. O que deve pensar o
sujeito que contribuiu durante anos,
conseguiu sua aposentadoria de um
salário-mínimo, fundamental para a
sua subsistência e, hoje, percebe que
um amigo ao lado, que nunca contribuiu, conseguiu aposentadoria igual?
Isso acabará por levar aqueles que
hoje trabalham na informalidade a
não ter motivos racionais para contribuir, o que levará multidões a chegar à velhice, quando já não podem
mais trabalhar, sem renda e sem
apoio, tornando a aposentadoria especial da Loas um imperativo.
Mais uma vez, não discuto o mérito
da Loas, mas a sua enorme dimensão,
provocada por falta de foco. Em 2004,
a Loas consumiu R$ 7,6 bi contra R$
5,8 bi do Bolsa-Família, um total de R$
13,4 bi. Em 2005, o governo gastou R$
6,5 bi com o Bolsa-Família e R$ 9,3 bi
com a Loas, um total de R$ 15,8 bi. Enquanto isso, a educação teve no ano
passado apenas R$ 7 bi para investimentos. Um programa assistencial
bem gerenciado poderia atender aos
realmente necessitados, gastando
uma pequena proporção do que se
gasta atualmente e liberando uma
enorme soma de dinheiro para educar os nossos jovens.
Enquanto não mudarmos esse quadro, nosso futuro não será muito diferente do nosso presente.