O
nó da previdência brasileira é a aposentadoria
no serviço público. Toda
vez que se tenta reformá-la, para torná-la mais justa, a
corporação se mexe de tal forma
que as intenções iniciais nunca se
realizam. Fazer uma retrospectiva
é pedagógico.
Em 1998, uma emenda à Constituição estabeleceu idade mínima
para o serviço público (60 anos,
para homens, e 55, para mulheres). No momento da promulgação
da emenda, quem, aos 53 anos de
idade, no caso de homens, ou 48,
no caso de mulheres, já tivesse
contribuído por 35 anos, pôde se
aposentar com o salário integral.
Os que ainda não tinham alcançado aqueles requisitos mantiveram
o direito de se aposentar mais cedo, tendo apenas que trabalhar
mais 20% sobre o tempo que, no
momento da promulgação, ainda
faltava para que pudessem requerer o benefício. Por exemplo, se,
em dezembro de 1998, o cidadão
estivesse com 50 anos de idade,
ele teria de trabalhar mais três
anos, sete meses e seis dias, e não
apenas mais três anos. Procedimento semelhante foi adotado para as aposentadorias proporcionais: os servidores que em 1998 já
tinham 30 anos de contribuição
(homens) e 25 (mulheres) puderam se valer desse benefício. Aos
demais, foi resguardado esse direito, desde que cumprissem um
pedágio de 40%. A emenda, portanto, ainda permitia aposentadorias muito precoces.
Em 2003, o governo enviou então
um novo projeto de emenda constitucional, que tentava postergar a
idade em que os servidores se aposentam, dilatando, na prática, a idade mínima. Estabeleceu que o servidor continuaria podendo se aposentar a partir dos 53 anos (48, no caso
de mulheres), depois das carências
e pedágios estabelecidos em 1998,
mas perderia 5% do valor do salário
por ano antecipado. Assim, se alguém se aposentasse aos 53 anos,
perderia 35% do salário; se a aposentadoria se desse aos 59 anos, ele
ainda teria um desconto de 5%. Valor integral, somente aos 60 anos.
Mesmo assim, trata-se de uma vantagem enorme: o funcionário, não
importando quanto tempo tenha
servido à nação, quando se aposenta no tempo certo, tem o direito de
receber o mesmo valor do último salário na ativa. Há casos em que o cidadão fez concurso público faltando poucos anos para se aposentar,
sem que isso tenha qualquer efeito
sobre o valor da aposentadoria: vale
o último salário.
Os novos funcionários perderam
esse direito. Eles passarão a se aposentar com base em todos os salários recebidos ao longo da vida, desprezando-se apenas os 20% menores. É uma mudança importante,
mas a balança ainda pende a favor
do servidor público. No INSS, um cidadão que contribuiu sempre na
maior faixa terá também a aposentadoria calculada tomando como
base todos os salários a partir de
1994, desprezando-se
os 20% menores. Mas
o valor, porém, jamais
poderá ultrapassar o
teto máximo do INSS,
hoje em R$ 2.801,456.
As aposentadorias dos
novos servidores públicos não precisam se
limitar a esse teto.
Precisariam, não
fosse a inação do governo. A emenda aprovada em 2003 previu,
como possibilidade, a
imposição do mesmo teto do INSS
para os novos servidores e a criação de um fundo de previdência para complementar a aposentadoria
deles. A coisa funcionaria assim: o
servidor seria descontado não mais
com base na totalidade do salário,
como é hoje, mas com base no teto
do INSS, que seria o valor máximo
que ele receberia ao se aposentar.
Como opção, o servidor poderia
contribuir também para o fundo de
previdência, de tal modo que o seu
benefício ao se aposentar seja
maior. Governo e servidores contribuiriam para esse fundo. Esse ponto
da emenda, porém, não foi regulamentado e, na ausência dessa regulamentação, fica valendo o que eu
descrevi acima: o servidor não recebe uma aposentadoria com base no
último salário, leva em conta, como
no INSS, a média dos 80% maiores
salários, mas não tem de respeitar o
teto do INSS. Se o governo quiser,
pode deixar tudo assim indefinidamente.
Esse não foi o único recuo. O Congresso achou a emenda de 2003 draconiana demais, e o governo fez um
acordo: pediu que a emenda fosse
aprovada tal como estava, para que outros
pontos da lei não se
perdessem, mas se
dispôs a enviar ao
Congresso um novo
projeto de emenda
constitucional (PEC),
a chamada PEC paralela. Este projeto foi
aprovado em 2005 e
instituiu a seguinte
fórmula: para os que
já estavam no serviço
público em 1998, o
tempo de contribuição (mínimo de
35 anos para homens) e a idade, somados, devem dar 95, para que o
servidor possa se aposentar com o
salário integral. Para mulher, o tempo mínimo de contribuição é de 30
anos; portanto, a soma com a idade
deve ser de 85 anos. Um servidor
que tenha começado a trabalhar
aos 16 anos, contribuindo sempre
para a previdência, aos 51 anos terá
35 anos de contribuição, mas ainda
não poderá se aposentar, pois a soma de 51 e 35 dá 86 anos. Para que a
soma dê 95, ele terá de trabalhar
mais 4,5 anos: aos 55,5 anos, a soma
da idade com o tempo de contribuição (39,5) dará 95, e ele poderá se
aposentar sem descontos. Em qualquer outra hipótese, ele continuará
perdendo 5% por ano antecipado
(se ele se aposentar aos 54 anos,
por exemplo, perderá 30% do salário). As regras para aposentadoria
proporcional não foram alteradas.
Houve, portanto, um retrocesso.
E a situação continua péssima.
O déficit do setor público é de R$
39,2 bilhões. A proporção é de um
funcionário na ativa para cada aposentado. Entre 2002 e 2005, as despesas com os inativos e pensionistas da União, como proporção do
PIB, caíram de 2,3% para 2,1%. Mas,
como o PIB cresceu, isso não quer
dizer que as despesas diminuíram.
Segundo cálculos do economista
Raul Veloso, no período, descontada a inflação, os gastos subiram
8,1%. E continuam crescendo.
O resultado é aquele: 60% de tudo o que o governo gasta vai para
a previdência (pública e privada),
deixando muito pouco para que o
país possa investir em segurança,
reforma agrária, agricultura, mas,
fundamentalmente, em educação
e infra-estrutura, os dois setores
que promovem o desenvolvimento.
Problemas com previdência não
são exclusividade nossa. A diferença é que lá fora o assunto é tratado de frente. No Reino Unido, o
governo pretende subir a idade
mínima para 68 anos. Na França, o
tempo de contribuição aumentou
de 36,5 anos para 40.
Aqui, mesmo em época de eleição, os políticos silenciam.