Onde o baixo nível das campanhas é maior, aqui ou nos
EUA? Certamente nos EUA,
dirão os que têm acompanhado a campanha de lá. E, o que é
pior, dirão outros, lá não tem Justiça
Eleitoral, que "vigia" a campanha,
pondo ordem no galinheiro. Isso quer
dizer, então, que o eleitorado americano é uma presa indefesa de marqueteiros inescrupulosos? De forma alguma, eis o que pretendo mostrar.
Cito apenas um dos muitos anúncios negativos da campanha de McCain, exibidos exaustivamente na televisão americana, nos últimos dias:
"Barack Obama e Bill Ayers, um
terrorista americano: amigos. Eles
trabalharam juntos por anos. Mas
Obama tenta esconder isso. Por quê?
Obama lançou sua carreira política
na sala de estar de Ayers. Ayers e
Obama comandaram, juntos, uma
fundação 'educacional' radical. Eles
escreveram, juntos, os estatutos dessa fundação. Obama foi o primeiro
presidente da fundação. Relatórios
dizem que eles 'deram' mais de US$
100 milhões para aliados ideológicos,
sem que isso resultasse em nenhuma
melhora visível na educação. Quando a relação deles se tornou uma
questão, Obama disse apenas: 'Esse
é um sujeito que mora na minha vizinhança.' Só isso? Nós sabemos que
Bill Ayers comandou o grupo de esquerda violento, chamado Weather
Underground. Nós sabemos que a
mulher de Ayers era uma das 10 mais
procuradas do FBI. Nós sabemos que
eles jogaram bombas no Capitólio,
no Pentágono e na casa de um juiz.
Nós sabemos que Ayers disse: 'Eu
não me arrependo de ter posto as
bombas. Eu sinto que não fizemos o
bastante.' Mas a amizade de Obama
com o terrorista Ayers não é a questão. A questão é a capacidade de julgamento de Barack Obama e a sua
honestidade. Quando Obama apenas
diz 'esse é um sujeito que mora na
minha vizinhança', os americanos dizem: 'Onde está a verdade, Barack?'
Barack Obama. Um risco grande demais para a América."
Pode haver ataques piores? E, no
entanto, embora haja muita conversa
entre os americanos sobre a "negatividade" da campanha, ninguém lá
precisa de uma justiça eleitoral para
proteger os eleitores. A própria democracia se encarrega disso, com
uma liberdade de imprensa e de opinião sem limites. Cada anúncio cai
imediatamente sob o escrutínio dos
jornais de todo o país, das emissoras
de televisão e de rádio, dos sites de
internet, uns reproduzindo livremente os achados dos outros. E o eleitor,
rapidamente, acaba sabendo o que é
mentira, o que é verdade. E vota de
maneira consciente.
Só para dar um exemplo, a CNN e
dezenas de outros órgãos de imprensa analisaram a relação de Obama
com o ex-terrorista Ayers (ele de fato
lançou bombas na década de sessenta contra prédios públicos em protesto contra a guerra do Vietnã, mas, hoje, quarenta anos depois, leciona na
Faculdade de Educação da Universidade de Illinois, onde é "distinguished
professor", título honorífico dado
àqueles que são reconhecidos por
seus pares em todo o mundo como lí-
deres em seus campos de atuação). A
imprensa, em sua imensa maioria,
atestou que os dois de fato moram na
mesma vizinhança, de fato fizeram
parte do conselho consultivo de duas
instituições de caridade, ao lado de
outras personalidades (republicanos,
inclusive), mas nada foi encontrado
de inapropriado nos projetos apoiados pelas duas entidades. Enfim, o escrutínio da maior parte dos jornalistas demonstrou que não há nenhum
indício de que os dois tenham relação
de amizade ou, obviamente, laços
com alguma atividade terrorista.
E como se isso não fosse suficiente
para informar os eleitores, há ainda
os debates, em que os candidatos
são questionados por jornalistas,
que têm a irrestrita liberdade de
aprofundar qualquer questão que
não lhes pareça suficientemente esclarecida. No último deles, Bob
Schieffer, o moderador, disparou:
"Senador Obama, para descrever o
senador McCain sua campanha usa
palavras como 'errático', 'insensível',
'mentira', 'raivoso', 'perdendo o controle'. Senador McCain, seus anúncios na televisão incluem palavras
como 'desrespeitoso', 'perigoso', 'desonroso', 'ele mentiu'. Sua colega de
chapa disse que Obama 'se tornou
amigo de terroristas'. Esta noite, cada um dos senhores está disposto a
se sentar nessa mesa e dizer na cara
do outro o que suas campanhas e seu
pessoal nas suas campanhas dizem
dos senhores?" Bem, o que se seguiu
foi uma discussão franca, em que cada eleitor pôde decidir de que lado
estava a verdade.
Aqui, as redes de televisão e de rá-
dio, a parte mais acessível do jornalismo, estão tuteladas por uma legislação eleitoral que tolhe a liberdade
de imprensa. A intenção, percebe-se,
é impedir que candidatos sejam privilegiados, mas o cipoal de regras é
tamanho que mesmo o trabalho jornalístico mais isento é suscetível de
ser entendido como "opinião favorá-
vel" a candidato, permitindo a abertura de um processo legal, cujas san-
ções são draconianas. E os debates
são inviabilizados pelo "democratismo" de obrigar as emissoras a chamar todos os candidatos, muitos
com traço nas pesquisas. Enquanto
isso, o horário eleitoral obrigatório
permite que os candidatos usem a
mesma televisão para propor o inexeqüível, para falsear o próprio currículo, e, muitas vezes, mentir sobre
os adversários. Quando acionada, a
Justiça Eleitoral é obrigada, então, a
atuar como moderadora, decidindo,
sob a pressão do tempo, o que é o
certo e o que é o errado.
O exemplo americano mostra que,
havendo liberdade irrestrita, haja o
baixo nível que houver, o povo acabará ficando sempre mais apto a fazer este julgamento.