Mesmo os críticos de programas assistencialistas, como o Bolsa-Famí-
lia, ficam confortáveis
quando sabem que a contrapartida
é a obrigatoriedade de manter os filhos na escola: o sujeito cuja renda
familiar per capita é inferior a meio
salário mínimo recebe até R$ 95, dependendo do número de filhos, desde que os faça freqüentar as aulas.
Pois se prepare para a má notícia:
não há contrapartida alguma, porque não há controle.
Em 2002, apenas 13% das escolas
informavam à Caixa Econômica a freqüência dos alunos. Hoje, o governo
não divulga os números, mas tive
acesso à informação de que o índice é
ainda menor, talvez zero. E sabe por
que não há controle? Cabe às professoras preencher um formulário e enviá-lo à Caixa, e a imensa maioria se
recusa a fazê-lo, porque ninguém
quer a pecha de dedo-duro.
Fomos realmente ingênuos de
acreditar que num país como o Brasil
um controle como este poderia existir: são 169 mil escolas de ensino fundamental, quase nenhuma com computador. Uma vez identificada como
pobre e faminta, a família é inscrita
num cadastro único, recebe pelo correio um cartão magnético da Caixa e
começa a retirar o dinheiro. O governo pretende atender, até o ano que
vem, a oito milhões de famílias. Considerando, por baixo, duas crianças
por família, faça as contas de quantas
cartas a Caixa deveria conferir todo
mês, manualmente, para manter ou
excluir o benefício, se a professora se
dispusesse a enviá-las. Trabalho insano. Portanto, esqueçamos essa coisa
de que o Bolsa-Família mantém o aluno na escola. É mentira.
Mas muitos devem estar pensando: pelo menos, o pobre faminto recebe uma ajuda mensal para viver
melhor. Não é verdade. Como já disse
aqui, o cadastro é feito pelas prefeituras, do jeito que elas querem. Os
prefeitos cadastram a sua
base eleitoral ou os pobres mais hábeis, aqueles
capazes de conhecer o caminho das pedras do cadastramento. Os cidadãos abaixo da linha da
pobreza, alvo do programa, têm ficado de fora. O
perfil socioeconômico do
cadastro prova isso: os
beneficiados têm condi-
ções de vida bem melhores do que as dos pobres
do público-alvo. E mesmo
esse público-alvo é necessariamente
menor do que os 54 milhões que o
programa pretende atingir. Ser pobre
é uma coisa; ser famélico, outra coisa. É dinheiro indo parar nas mãos erradas. E num processo sem fim.
Quando o programa tiver atingido
sua meta final (11,8 milhões de famí-
lias), que governante correrá o risco
eleitoral de cancelá-lo?
Já vimos as conseqüências de políticas que distribuem benefícios a
públicos-alvos errados. No Brasil,
40% do dinheiro pago em aposentadorias vão para os que estão entre os
45 e 60 anos de idade; na Espanha,
45% do dinheiro vão para os que estão com 70 anos. No Brasil, 50% do
dinheiro pago em aposentadoria vão
parar nos bolsos dos dez por cento
mais ricos; na Espanha, ele é mais
bem distribuído por todas as faixas
de renda. Ou seja, as aposentadorias
no Brasil vão para os mais jovens e os
mais ricos. Foram necessários dez
anos para que a reforma da Previdência impedisse que essa injustiça se
perpetuasse. Mas, ainda por um bom
tempo, o governo gastará 65% do seu
orçamento com previdência, impedindo
que se invista mais
em educação, saúde
e infra-estrutura.
Mas o governo parece não ter aprendido a lição. Anunciou,
feliz, mais R$ 5,9 bi
nas verbas para o
social. Muita gente
se regozijou. Eu fiquei estarrecido. No
mesmo anúncio, o
governo disse que as
verbas destinadas a investimento seriam as mesmas de 2004: pouco mais
de R$ 11 bilhões. Para o Bolsa-Famí-
lia, o aumento foi exponencial. Em
2002, R$ 2,6 bi; em 2003, R$ 3,6 bi; em
2004, 5,3 bi; em 2005, 6,7 bi. De 2002 a
2005, um aumento de 158%! Para se
ter uma idéia, o orçamento para educação em 2005 será de R$ 7,6 bi.
Para o Fundef, fundo para o qual todos os estados contribuem e que tem
sido visto como um avanço na educa-
ção, o governo federal destinou em
2004 R$ 446 milhões. No ano que vem,
pretende transformar Fundef em Fundeb, para atender ao ensino básico.
Para isso, além dos R$ 446 milhões do
Fundef, vai desviar R$ 420 milhões do
programa de alfabetização de jovens
adultos e, como dinheiro novo, botar
apenas mais R$ 470 milhões. Não sei
como funcionará o Fundeb, mas 60%
das verbas do Fundef devem ser usados em salário e o restante em reformas e construção de escolas.
Faça as contas. O governo vai gastar R$ 6,7 bi com a esmola de R$ 95
do Bolsa-Família, dada a um público
provavelmente errado, sem ao menos assegurar que as crianças estarão na escola, e apenas R$ 7,6 bi em
educação. Sabe quanto vai gastar
com capacitação de professores? R$
83 milhões. Esmola não transforma
nada, não muda o país. Se, em vez
disso, aplicasse tudo em ensino pú-
blico faria uma revolução, duplicando os recursos da educação, a única
coisa que muda a vida de um país, de
uma família, de um cidadão, tirando-o
da pobreza. Sem esmolas.
Como o governo sabe que não melhorará o ensino básico, propõe medidas absurdas, como reservar vagas
nas universidades federais para alunos da rede pública. É como se confessasse: "O ensino público é ruim
mesmo e nós não vamos melhorá-lo.
Preferimos dar esmolas. Em compensação, você vai entrar na faculdade
com mais facilidade." É triste. A universidade não é para ricos nem pobres, é para os mais bem dotados. A
missão do governo é garantir ensino
de qualidade para que todos, em
igualdade de condições, possam disputar uma vaga na universidade. A
atual política não melhorará o ensino
básico e piorará o ensino superior.
E o Brasil que suporte mais um
tranco desses.