Dizem que a auto-estima do
brasileiro é baixa. Eu discordo. Pelo que tenho lido de
conterrâneos sobre a eleição
americana, nossa auto-estima é altíssima. Nossa urna eletrônica é uma beleza; lá, em muitos estados, o voto é ainda
em cédulas. Aqui, os votos são contados em horas; lá, a apuração se arrasta
por dias. Nossa lei eleitoral é única; lá,
cada estado tem a sua. Nosso país sai
unido pelas urnas; lá, a nação está rachada ao meio. Aqui a eleição é por voto popular; lá, ela se dá através de um
anacrônico colégio eleitoral. Êta nóis.
Tudo isso seria sinal de decadência. Na análise do Colégio Eleitoral,
muitos disseram que os americanos
só pensam em reformá-lo. Os estados
do Maine e de Nebraska já teriam saí-
do na frente e modificado a legislação,
para tornar proporcional a eleição
dos delegados. Enquanto em todos os
outros estados o partido vencedor leva todos os delegados, não importando se a eleição foi de 51% a 49%, em
Nebraska e no Maine a coisa se daria
proporcionalmente. Mas não é isso.
O objetivo desses dois estados não
é relativizar o espírito que deu origem
ao Colégio Eleitoral, mas o de reforçá-
lo. Por exemplo: o Maine tem direito a
quatro delegados: dois, como todos os
outros (como no Senado), e dois por
ter dois deputados. O partido que tiver a maioria dos
votos no estado leva dois
delegados. Os outros dois
serão escolhidos, como os
deputados, um em cada
distrito. Isso nada tem a ver
com proporcionalidade;
tem a ver com o respeito às
subdivisões do estado. É,
na verdade, uma radicaliza-
ção do Colégio Eleitoral,
pois pretende representar,
de um lado, o estado, e, de
outro, a vontade de seus
distritos. Implantado no Maine em
1972 e em Nebraska em 1996, esse sistema nunca deu origem a delegados de
partidos diferentes: o partido majoritário no estado foi também majoritário
nos distritos. Bush ganhou os cinco
delegados de Nebraska em 2000 e Al
Gore ganhou os quatro do Maine.
No país, Bush teve 47,9% dos votos
populares contra 48,4% de Al Gore,
uma diferença de 537 mil votos a favor
do democrata, mas Bush ficou com
271 votos no Colégio Eleitoral contra
266 de Al Gore. O sistema do Maine e
de Nebraska não tem o
efeito de minorar essa disparidade, e pode até piorá-
la. Em 2000, o candidato
Bush teve, no Maine, 44%
dos votos e Al Gore, 49%, e
o democrata venceu também nos dois distritos. Al
Gore levou, portanto, os
quatro delegados. Mas
Bush ficou muito próximo
de Al Gore no distrito mais
rural. Se tivesse vencido
naquele distrito, teria ficado com um dos delegados,
embora Al Gore mantivesse a dianteira no estado. O resultado é que Bush
continuaria perdendo no país todo
por 500 mil votos, mas teria tido ainda
mais um voto no Colégio Eleitoral.
Estudos foram feitos para ver o que
aconteceria com o Colégio Eleitoral se
o sistema do Maine e de Nebraska fosse adotado em todo o país. O "USToday" chegou à conclusão de que o resultado não se alteraria: 271 para
Bush e 266 para Al Gore. Mas outros
estudiosos, levando em conta outros
métodos, chegaram a conclusões diferentes. Num caso, Bush teria 277 votos contra 255 e, noutro, 283 contra
253. O Colégio Eleitoral ficaria ainda
mais divorciado do voto popular. Mas
não do que aconteceu nos condados:
Bush venceu em 2.400 e Al Gore em
600, os mais populosos.
A mudança mais radical é a que estará sendo votada no Colorado: a ado-
ção, de fato, do voto proporcional.
Mas ninguém se entusiasma com a
idéia, porque o estado passaria a ter
pouco peso. O Colorado tem nove delegados. Os dois partidos fazem um
esforço danado para levá-los. Mas se o
voto passar a ser proporcional, o estado perderá importância. Em 2000,
Bush teve 51% dos votos, e levou todos; se o sistema fosse proporcional,
teria levado cinco e Al Gore, quatro. O
estado teria perdido atratividade para
ambos os partidos. Talvez isso explique por que apenas 35% da população
do Colorado apóiem a idéia.
Porque querem continuar a ser os
Estados Unidos da América, cada estado tem autonomia para escolher
suas máquinas de votação, seu processo eleitoral, e a eleição através de um
Colégio Eleitoral visa a garantir isso (a
Suprema Corte limita o poder do Congresso de legislar sobre o Colégio). O
federalismo é a base da democracia
americana. Analistas se preocupam
também com a tal "América dividida".
Acalmem-se. Em tempos de eleição,
num sistema na prática bipartidário, a
nação sempre está dividida. Em toda a
História, 15 presidentes governaram
sem ter alcançado 50% dos votos populares, entre eles Wilson (nos dois
mandatos), Truman, Kennedy, Nixon,
Clinton (nos dois mandatos) e Bush.
As disputas costumam ser apertadas,
algumas, apertadíssimas: Kennedy
49,7%, Nixon 49,6%; Nixon 43,02%,
Humphrey 42,6%; Carter 50%, Ford
48%. Depois de cada eleição, o país se
une. Agora, não vai ser diferente.