"Causa e consequência", O Globo, 09/07/2005 | Artigos - Ali Kamel 

Autor: Ali Kamel

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"Causa e consequência", O Globo, 09/07/2005

Há um padrão no pensamento de esquerda: colocar a causa no lugar da conseqüência, e, assim, confundir a opinião pública. O artigo de ontem de Robert Fisk é um exemplo disso. Fisk escreveu: "Era claro como água que a Grã-Bretanha seria um alvo desde que Tony Blair decidiu se juntar à 'guerra ao terror' de George W. Bush e à invasão ao Iraque". E acrescentou: "Quando eles morrem é 'dano colateral', quando nós morremos é 'terrorismo bárbaro'".

É uma visão torta. Os atentados de Londres não são conseqüência da Guerra do Iraque; a guerra do Iraque é que é conseqüência dos atentados da al-Qaeda: o 11 de Setembro, em que morreram cerca de três mil inocentes, os atentados contra as embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia em 1998, com 224 civis mortos, e o primeiro atentado ao WTC em 1993, com sete mortos. Não, estas não foram ações voltadas "apenas" contra os americanos.

Em 1998, Bin Laden emitiu uma fatwa, um decreto religioso em que diz: "Matar americanos e seus aliados — civis e militares — é uma obrigação individual para todo muçulmano que possa fazê-lo em qualquer parte do mundo". O inimigo, portanto, já não era apenas a América, mas todos nós. Porque impor ao mundo inteiro o que ele considera ser o Islã é o objetivo da al-Qaeda. A fatwa deixa claro este propósito: "E isso está de acordo com as palavras de Deus: 'Combatei unanimemente os idólatras, tal como vos combatem' e 'combatei-os até terminar a intriga, e prevalecer totalmente a religião de Deus'". Os fanáticos consideram um mandamento divino estabelecer na Terra, não o Islã, mas a sua visão radical do Islã, repudiada pela imensa maioria dos muçulmanos.

Na mesma fatwa, Bin Laden confessa explicitamente seus laços com o Iraque de Saddam Hussein, ao acusar os EUA e aliados de apoiarem Israel: "A melhor prova disso é a ânsia para destruir o Iraque, a mais forte nação árabe". No texto, esta é apenas uma de várias menções enaltecedoras ao Iraque, feitas, sublinho, em 1998, quando a ditadura de Saddam estava de pé. Quando leio muitos na imprensa dizendo que não há provas da ligação da al-Qaeda com o regime de Saddam, meu sentimento é de constrangimento. Diante da confissão pública de Bin Laden na fatwa, eu digo: escrevem sobre o que não sabem.

A decisão da ONU de ir à guerra contra o Iraque para obrigá- lo a sair do Kuwait, em 1991, e o bloqueio econômico posterior despertaram a ira de Bin Laden contra toda a coligação que cumpriu essa determina- ção, EUA à frente. Os inimigos somos nós.

O mundo está em guerra contra fanáticos que querem impor a nós a sua ideologia. É o totalitarismo do século XXI, contra o qual devemos lutar. Os que pregam o apaziguamento — deixar o Iraque, deixar o Afe ganist ão, deixar os fanáticos em paz — são da mesma estirpe dos que, nos anos 30, pregaram o apaziguamento com Hitler. O resultado é hoje História: Hitler se agigantou e, para derrotá- lo, o mundo perdeu milhões de vidas. Se essa visão de mundo persistir, não duvidemos: sofreremos tudo novamente. Os EUA e o Reino Unido estão certos: é preciso combater. Nós somos as vítimas, eles atacaram primeiro .