Eugênio Bucci presidiu a Radiobrás do início do governo
Lula até abril do ano passado, um período longo. Para
fazer o balanço de sua gestão, acaba
de lançar "Em Brasília, 19 horas, a
guerra entre a chapa-branca e o direito à informação no primeiro governo
Lula". Bucci tenta demonstrar que,
em sua gestão, a Radiobrás procurou
imprimir "uma direção apartidária,
impessoal, para servir à sociedade,
atendendo ao direito à informação".
Não posso concordar. Com Bucci, a
Radiobrás não foi diferente do que era
em gestões passadas. Ela cumpriu fielmente o decreto que define a sua missão: "Divulgar as realizações do governo
federal nas áreas econômica, política e
social". O próprio Bucci, depois de contar a história legal da empresa, conclui
em relação ao decreto: "Não é nada maravilhoso, mas melhorou um pouco, e é
o que está em vigor."
Apesar disso, Bucci afirma que fez a
Radiobrás produzir bom jornalismo. E,
como prova, cita dois bilhetes de José
Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil, e
um de Ricardo Berzoini, então ministro
da Previdência. O primeiro reclamou da
"objetividade" da Radiobrás, que a transformaria "numa emissora de oposição".
O segundo classificava de propaganda
oposicionista uma nota sobre paralisa-
ção de servidores, ressalvando, contudo, que a estatal não deveria se transformar num "Diário Oficial" nem se submeter à "censura prévia". Em meio ao relato desses bilhetes, Bucci diz a seu favor
que, durante o escândalo do mensalão, a
Agência Brasil, da Radiobrás, teria publicado 3.500 "reportagens" sobre o assunto e que "não sofreu uma única acusação
de sonegação de dados".
Comecemos pelo fim. Como todos
nós, jornalistas, estamos acostumados
ao padrão chapa-branca da Radiobrás,
não chega a surpreender que não tenha
havido uma só acusação de sonegação
de dados. Aceite Bucci ou não, jornalistas não julgam o trabalho da Radiobrás
por este prisma, simplesmente porque
ela não tem importância. Ninguém segue
o noticiário da Radiobrás à cata de furos
nem cobra dela que vigie o poder, ela
que é subordinada ao poder.
Sobre os bilhetes, eles suscitam uma
pergunta: se representavam uma pressão inaceitável, por que ele os aceitou?
Por que não denunciou na hora? Encontro duas respostas: ou Bucci foi enquadrado, e por isso ficou, ou os bilhetes foram tentativas vãs de pressão e, por isso, não deveriam ter sido revelados por
quem serviu ao governo calado durante
1.600 dias. Fico com a primeira hipótese.
O que os bilhetes revelam é uma guerra
entre governismos, um mais chapa-branca do que o outro, mas todos chapa branca.
A questão fica mais clara quando Bucci discute as "Cartas Críticas", uma análise diária sobre a mídia que Bernardo
Kucinski, então assessor de Lula, escrevia para o presidente. Bucci se indignou
com duas referências à Radiobrás, principalmente aquela que criticou a hierarquização das manchetes da Agência Brasil e propôs uma nova redação para elas,
bastante governista. Bucci entendeu que
Kucinski acusava a Radiobrás de omissão e, no livro, esmera-se para provar
que não houve omissão alguma, detalhando todos os títulos. A leitura é constrangedora: "Ministro do trabalho toma
posse prometendo lutar por salário mínimo", "Lula diz que Marinho tem capacidade de negociar para defender os trabalhadores", "Lula afirma que Berzoini
volta à Câmara para ser um defensor do
governo", "Recuperação do salário mínimo é meta do novo ministro do Trabalho", "Silas Rondeau descarta risco de
apagão até 2009" e "Produção industrial
cresce em todo o país".
Esse é o jornalismo "apartidário e impessoal" que Bucci diz ter praticado na
Radiobrás. Na verdade, esses títulos demonstram o que eu quis dizer ao falar
em guerra de governismos (versão ampliada deste artigo em www.oglobo.com.br/opinião).
Não, a Radiobrás cumpriu sempre as
suas atribuições de "divulgar as realizações do governo federal". Aqui e ali, Bucci deixa os fatos à mostra. É chocante o
relato que ele faz de 2006: "Nos cinco primeiros meses do ano eleitoral de 2006, o
presidente Lula pôs o pé no avião e girou
o país de um lado para o outro, dobrando o número de viagens em relação ao
mesmo período do ano anterior: viajou
65 vezes, para 53 destinos diferentes,
contra 32 vezes e 27 destinos nos cinco
primeiros meses de 2005." Com atividade eleitoral tão frenética, Bucci conta
que o dinheiro acabou. O que fez então?
Esforçou-se intensamente para liberação de mais recursos. Pergunto: é assim que
deve agir alguém preocupado com uma
gestão "apartidária e impessoal"? Jamais. O certo era esclarecer a quem de
direito que atividades de presidente são
atividades de presidente e que campanha eleitoral é campanha eleitoral. Uma
coisa deve ser coberta pela Radiobrás, a
outra, não.
Bucci não percebe isso ou finge não
perceber? Creio que não percebe e atribuo o fato à sua falta de experiência na
linha de frente do jornalismo. Essa lacuna, aliada ao seu partidarismo, contaminou sempre a sua capacidade de análise
nas vezes em que vestiu a camisa do crí-
tico de mídia. Ao analisar a si próprio,
sofre do mesmo mal, mas em sentido
contrário. Antes, onde havia bom jornalismo, via oposicionismo. Agora, onde há
governismo, vê bom jornalismo.
Não, não tenho nada contra Eugênio
Bucci na Radiobrás. Creio que ele fez ali
o que seus antecessores fizeram. Mas
não acho ético que alguém que tenha decidido servir a um governo, a um partido, e que tenha feito isso com esmero,
venha, tanto tempo depois, passar a sua
história a limpo, vendendo-se como vestal do jornalismo apartidário quando, na
verdade, fez exatamente o que aqueles
que o convidaram para o cargo queriam
que ele fizesse.