No ano passado, escrevi um
artigo cujo título era "O
mesmo mundo". Eu dizia
que não vivíamos num
mundo pior, cheio de guerras e desventuras: o mundo sempre foi assim.
Há dias venho criando coragem para
comentar o que se passa hoje no
Oriente Médio, mas, cada vez que começo a estudar o assunto mais de
perto, a sensação de que tudo é apenas uma repetição do passado me
deixa prostrado. É impressionante como ali a História se repete, e não como farsa, como queria Marx, mas
sempre como tragédia.
Lembremos 1978. A OLP estava
abrigada no Líbano e, de lá, prosseguia em sua luta para retomar não
apenas as terras que Israel conquistou na guerra árabe-israelense, mas
para pôr fim ao país inteiro, "varrendo-o do mapa", na retórica ainda viva
na boca de muitos. Em março daquele
ano, um grupo de terroristas ligados
ao Fatah seqüestrou um ônibus com
crianças que faziam um passeio de um
dia ao Norte de Israel. Seguiram para
Tel Aviv e, na entrada da cidade, ao se
depararem com uma barreira, saltaram do veículo, iniciaram um tiroteio
e lançaram mísseis contra o ônibus,
matando 35 pessoas. Israel, então, empreendeu um ataque ao Líbano, invadindo o país dez quilômetros além da
fronteira. O mundo reagiu em coro
contra Israel, o Conselho de Segurança da ONU passou a resolução 425, impondo a imediata retirada das tropas israelenses do Líbano e criando uma
força internacional de paz. Em junho,
Israel deixou o Líbano, mas, nos quatro anos seguintes, a força de paz não
cumpriu os seus objetivos, e os ataques da OLP a Israel e as conseqüentes retaliações continuaram.
Em 1981, um cessar-fogo foi conseguido pelos EUA, mas foi apenas formal: nos 11 meses que se seguiram,
houve 270 ataques a Israel. Em abril
de 1982, uma mina matou um oficial
do exército israelense, e a resposta
veio rapidamente, na forma de ataques aéreos e
bombardeios. Em junho,
houve uma tentativa de
assassinar o embaixador
de Israel no Reino Unido,
o que deflagrou nova invasão do Líbano, com o
objetivo de afastar o perigo da OLP, armada até
os dentes. A história é
bem conhecida: Israel ficou lá por três anos, as
lutas foram cruentas,
houve o massacre de Sabra e Chatila e a OLP acabou indo,
com Arafat e tudo, para a Tunísia.
Reagan acreditou que a força de paz
da ONU não daria jeito e mandou para
lá uma nova força, composta por marines e soldados da França e Itália. No
fim, os marines carregaram o maior
peso, até que o recém-fundado Hezbollah, financiado pelo Irã, reintroduziu, após 900 anos de hibernação, a
prática dos atentados suicidas: um
carro-bomba levou pelos ares a embaixada americana, matando 17 diplomatas e 40 funcionários libaneses, e,
meses depois, outros dois carrosbomba mataram 241 marines, no aeroporto de Beirute, e 56 soldados
franceses, a alguns quilômetros de
distância. Houve as retaliações de
praxe, e Reagan tirou de lá os marines,
apenas quatro meses depois.
Israel se estabeleceu, então, numa
faixa da fronteira, criando uma zona
de segurança, até que, em 2000, saiu
inteiramente do Líbano, cumprindo
integralmente a resolução 425 da
ONU.
Como em 1982, quando o presidente de origem cristã, pró-Israel,
Bashir Guemayel, foi assassinado numa explosão de carro-bomba atribuída à Síria, ano passado foi morto o ex-primeiro ministro do Líbano
Rafik Hariri, não pró-Israel, mas pró-Ocidente,
também numa explosão
de carro-bomba. Como
tudo se parece... O assassinato de Hariri também foi atribuído à Síria, que acabou deixando o
território libanês, depois de uma presença de mais de trinta anos.
Bem, hoje a história se repete. Como a OLP no passado, o Hezbollah
cresceu, dominou o Sul do Líbano, armou-se com 12 mil foguetes e recomeçou a atacar israelenses. Quando um
ataque matou oito soldados e seqüestrou outros dois, Israel invadiu novamente o Líbano, para pôr fim à amea-
ça armada. No momento, estamos na fase da costura de uma nova resolução da ONU, que, provavelmente,
criará uma nova força internacional
de paz, e acabará, de uma forma ou
de outra, determinando que Israel
saia do país. Depois, bem, não quero
me arriscar a dizer o que virá depois
para não parecer praga.
Porque não se trata disso. Esse artigo pode parecer pessimista, mas
não é. Eu o chamaria de realista. Essa
guerra já dura 58 anos, o que parece
uma eternidade. Mas, se olharmos para trás, veremos que conflitos mais
longos, que pareciam insolúveis, hoje
não passam de História. Nós, seres
humanos, somos assim: uma hora a
gente cansa. Não sou médico, mas sei
que, quando um mal se torna crônico,
a razão é única: a causa não foi debelada. É o que acontece por lá.
Um bom remédio é que a democracia alcance os países árabes: quando
os povos tiverem o comando de seus
destinos, duvido que concordem com
grupos fanáticos terroristas que atiram foguetes em vizinhos sabendo de
antemão que a reação será um pesado
bombardeio sobre suas cabeças. É
também preciso deixar Deus fora do
conflito, porque sabemos todos que
Deus não tem partido. É fundamental
que os dois lados se aceitem como
uma realidade inamovível e mais fundamental que cedam naquilo que lhes
é mais caro. Enquanto isso não acontecer, o conflito persistirá, repetindose de forma monótona. E trágica.