Somos um país em que 40% da
população se dizem pardos.
Como pardo é, por definição,
fruto do casamento de pessoas
de cores diferentes, fica difícil dizer
que somos um país bicolor. Mesmo assim, é cada vez maior o número daqueles que nos vêem como um país de
brancos oprimindo negros. Para eles,
nossa miscigenação, o maior troféu
dos brasileiros contra o racismo, passou a ser delírio das elites.
Em 16 de novembro, publiquei artigo mostrando que pretos, pardos e
brancos de mesmo perfil socioeconô-
mico (renda, número de filhos, e zona
de moradia) têm as mesmas dificuldades, independentemente da cor.
Em resposta, dois artigos foram publicados aqui nesta página. Um de
Rosana Heringer e outro de José Luiz
Petruccelli e Moema Teixeira. Nenhum refutou os meus dados, mas
ambos usaram o mesmo argumento
para desmerecê-los: tudo bem que
pobres tenham as mesmas dificuldades, sejam brancos ou sejam pretos e
pardos (que eles chamam negros),
mas o importante é que há muito
mais negros pobres do que brancos
pobres. Na pobreza, 65% são negros e
35%, brancos.
E daí? A partir dessa constatação,
que eu nunca neguei, o que devemos
fazer? Uma segregação racial na pobreza, adotando-se políticas em benefício
dos negros e abandonando à própria
sorte os brancos pobres, mesmo se
eles passam pelas mesmas provações
que os negros? Para usar uma palavra
exata, discriminar alguém pela cor, negros em benefício dos brancos ou
brancos em benefício de negros, é racismo. Trinta e cinco por cento de
brancos pobres formam uma multidão
de 21 milhões de pessoas. Não me entra na cabeça qual razão "humanitária"
pode justificar o abandono de 21 milhões de cidadãos. Para mim, o certo é
fazer de tudo para diminuir a pobreza,
sem se preocupar com cor.
O maior número de negros pobres,
porém, não foi a única crítica. Eles contestaram também o tamanho da minha
amostra. Petruccelli e Teixeira advertem os leitores de que "estatísticas só
'falam' quando inseridas em contextos
que lhes outorgam significado".
Mas, em seguida, quando começam a expor os seus dados, dizem
que "as diferenças falam por si". A crítica é infundada. O grupo que o estatístico Elmo Iorio estudou tem 13 milhões de indivíduos. Ele usou uma
amostra de 29 mil, estatisticamente
um número mais do que suficiente
para que se tirem conclusões sobre
todo o grupo estudado. As estatísticas do meu artigo não falam por si,
porque eu falo por elas. Como Petruccelli e Teixeira e todos os que citam
estatísticas.
Houve também a crítica de sempre:
negros e brancos com mesmo número
de anos na escola têm rendimentos desiguais, brancos recebendo mais do
que negros. Já disse em mais de um artigo que ter o mesmo número de anos
na escola não significa ter recebido
uma educação de mesmo nível.
Se os negros (pretos e pardos) são
maioria entre os pobres, eles necessariamente receberam uma educação
pior, não porque são negros, mas porque são pobres. Mesmo entre os que o
IBGE considera analfabetos funcionais
(aqueles com menos de quatro anos
de estudo), as diferenças existem.
Estudos mostram que, entre os que
nunca foram à escola, 20% conseguem localizar informações simples
em enunciados de uma frase. E entre
aqueles que têm de 1 a 3 anos de estudo, 32% são analfabetos absolutos,
51% localizam informações simples e
18% têm uma habilidade básica, capazes de localizar informações em
cartas e notícias. Assim, é impossível
pegar números frios do IBGE e garantir que todos os que têm até 4 anos de
estudo formam uma base homogênea
e merecem salários iguais.
Por fim, Petruccelli e Teixeira recomendam a leitura de "O curso do rio:
um estudo sobre ação afirmativa no
acesso à universidade", livro de Derek Bok e William Bowen, ex-reitores
de Harvard e Princeton, respectivamente. O estudo mostra o efeito positivo da admissão facilitada de negros no ensino superior americano.
Eu, novamente, recomendo a leitura
de "Ação afirmativa ao redor do mundo: um estudo empírico", de Thomas
Sowell, que a editora UniverCidade
está lançando.
Nele, Sowell mostra as muitas deficiências do livro de Bok e Bowen.
Primeiramente, eles estudaram a situação, não dos estudantes negros
beneficiados por ações afirmativas,
mas dos estudantes negros em geral,
incluindo aqueles que entraram na
universidade sem usar nenhum benefício. O segundo ponto é que os autores estudaram 24 escolas privadas
e apenas quatro públicas, sendo que
apenas 9% dos negros freqüentam escolas privadas nos EUA. Além disso,
64% dos alunos pesquisados tinham
pai ou mãe formado em faculdade,
um número cinco vezes maior do que
a média nacional. Diante disso, a validade da pesquisa de Bok e Bowen é
bastante questionável.
Evidentemente, Heringer, Petruccelli e Teixeira são pesquisadores sé-
rios, bem-intencionados e preocupados com o país. Mas eles têm em seus
textos o vício comum aos que defendem as cotas: parecem sempre se colocar na posição de heróis lutando
contra insensíveis. Nessa história,
porém, não há nem heróis nem insensíveis. Existem apenas cidadãos que
pensam diferente. Eu não acredito em
políticas racistas para acabar com o
racismo. Eu não acredito em políticas
que levarão à cisão racial da sociedade brasileira, principalmente entre os
pobres. Eu prefiro políticas igualitá-
rias que lutem contra a pobreza. Eu
quero o país miscigenado que, até há
pouco, queríamos ser. Mais igualitá-
rio, sem dúvida, mas miscigenado.
P.S.: Quinta-feira, o IBGE divulgará
o capítulo sobre nutrição da Pesquisa
de Orçamento Familiar. Finalmente,
os brasileiros saberão quantos de
nós passam fome.