Quando vi pela televisão os simpatizantes do Partido Socialista
Operário Espanhol, em frente às
sedes do Partido Popular, com cartazes onde se lia a palavra "paz",
levei um susto. Eles cobravam a
verdade sobre a autoria dos atentados de Madri, que o governo insistia em atribuir ao ETA. Mas por
que pedir "paz" aos partidários de
Aznar? A leitura não poderia ser
outra: eles atribuíam a culpa pelos
atentados à decisão de Aznar de
apoiar a guerra do Iraque. Ou seja,
os culpados não seriam os membros da al-Qaeda, mas o governo
espanhol. Foi política eleitoral feita em cima de cadáveres. Os espanhóis concordaram com a tese e
acabaram dando a vitória aos socialistas. Mas o vitorioso não foi o
PSOE. O vitorioso foi Osama bin
Laden.
A derrota do PP foi uma surpresa. Às vésperas do atentado, ele
era o franco favorito nas pesquisas, porque fez a Espanha crescer
e criou 4,5 milhões de empregos.
Era de se imaginar que o atentado
faria o povo se unir ainda mais em
torno de seu governo. Desafiado
por um atentado monstruoso cujo
objetivo era justamente atingir Aznar, o povo espanhol
não tinha outra saída
moral senão apoiá-lo.
Se não tivesse havido
atentado, teria sido legítimo derrotá-lo, caso
o povo não tivesse superado a irritação de
um ano e meio antes,
quando Aznar contrariou 90% dos eleitores
e apoiou a guerra.
Mas, diante dos 200 cadáveres,
derrotá-lo foi a pior mensagem que
os espanhóis poderiam dar ao
mundo. Aznar foi punido, não tanto porque teria mentido ao acusar
primeiro o ETA, mas porque, ao
apoiar a guerra, teria colocado o
país na mira da al-Qaeda. Este é,
porém, um pensamento torto, covarde, que vive no mundo da ilusão. "Não mexamos com eles que
eles não mexerão conosco". Porque, na lógica da al-Qaeda, ninguém está a salvo. O presidente de
governo eleito já anunciou que retirará as tropas espanholas do Iraque. Como quer Bin Laden.
As Nações Unidas já tinham dado recado semelhante: depois do
atentado que matou seus funcionários em Bagdá, abandonaram o
Iraque. Os dois exemplos dão à
al-Qaeda a certeza de que o caminho perverso dos atentados é eficaz. Até o resultado das eleições
espanholas, eu estava confiante
em que, depois da tragédia, a Europa finalmente entenderia o poder do inimigo. Quando vi todos
os chefes de Estado demonstrando indignação, imaginei que dali
fosse sair um plano para uma
ação conjunta e decisiva para enfrentar o que o mundo tem de fato pela frente: uma guerra entre
os que defendem a liberdade de
pensamento, os direitos humanos, os mais altos valores da Humanidade e aqueles que vivem
num mundo em que não há lugar
para a razão.
Mas ainda não foi dessa vez. O
que vemos é França, Itália, Alemanha, mortas de medo, tentando incrementar medidas internas
de segurança para evitar novos
ataques. Como se a questão fosse
de polícia. Não percebem que medida alguma de segurança pode
evitar um ataque como os da alQaeda. Se os aviões estão impenetráveis, eles vão para os trens.
Se os trens estiverem impenetrá-
veis, eles seguirão para o metrô.
E se um dia for possível tornar seguro o transporte de massa, os
terroristas acharão outras multidões para matar. O trágico é que
a derrota de Aznar fará cada político europeu pensar duas vezes
antes de aderir com a intensidade necessária à guerra antiterror.
Tomarão medidas
profiláticas, mas temo que não terão coragem de bater de
frente com o inimigo.
Vão se apequenar, temendo que seus paí-
ses virem alvo preferencial e que, depois,
na fatalidade de um
atentado, sejam corridos do poder. Como
na Espanha. Não percebem que
não há saída: a França não apoiou
a guerra, mas treme de medo porque ousou fazer valer seus princípios republicanos e proibiu o
uso do véu.
Não, nem todos se deram conta
de quem é o inimigo: um grupo que
imagina que fala com Deus, vê a todos que pensam de forma diferente como seres impuros e é dono de
uma verdade que quer impor ao
mundo pela força. O inimigo se diz
muçulmano, mas é apenas uma
seita enlouquecida de um ramo já
enlouquecido do islamismo. Combatê-lo é urgente. O inimigo está
confiante. Na carta em que assume
o atentado, ele sequer esconde futuros passos: "Trazemos boas novas aos muçulmanos do mundo: o
ataque dos 'ventos da morte negra' nos Estados Unidos está agora
em estágio final e, queira Deus, em
breve pronto".