Em setembro de 2008, quando a
candidata a vice-presidente
Sarah Palin fazia grande sucesso entre os republicanos,
ela foi entrevistada por Katie Couric,
âncora do CBS Evening News. Os americanos puderam saber, então, que Palin não entendia nada de nada, era apenas um golpe de marketing. Segundo
um estudo da Nielsen, a entrevista foi
vista naquela noite por seis milhões de
telespectadores. Imediatamente, a
conversa já estava na internet, e ali foi
vista por mais de três milhões de pessoas. A humorista Tina Fey fez uma sá-
tira da entrevista no "Saturday Night
Live", da ABC, que atraiu a audiência
de nove milhões de telespectadores.
Novamente, o esquete foi posto nos sites da internet e visto por 25 milhões
de pessoas. Fenômeno parecido ocorreu com "Britains Got Talent", programa de televisão da ITV1, emissora do
Reino Unido. O programa de estreia da
terceira temporada foi visto por 10,3
milhões de britânicos. A grande atra-
ção foi a escocesa Susan Boyle, que se
tornou uma celebridade instantânea. A
apresentação de Boyle foi posta em sites da internet, e foi acessada 220 milhões de vezes, segundo dados de Visible Measures, uma empresa que mede o sucesso on-line de vídeos. O seriado "Lost", um megassucesso da rede americana ABC, estreou em 2004
com 15 milhões de telespectadores.
Com o tempo, disseminou-se a prática
de colocar na internet o episódio inteiro, para que telespectadores façam
download quando desejarem (no Brasil, ele fica disponível no mesmo dia da
exibição nos EUA, já legendado). E, um
último exemplo, no fim de semana, jornais do mundo inteiro mandaram para
Teerã equipes completas de repórteres para cobrir as eleições iranianas (o
"The New York Times" enviou até mesmo o seu diretor de redação, Bill Keller). Imediatamente, milhares de blogs
usaram o material produzido pelos jornais, reproduzindo íntegras e gerando
debates e mais debates.
Detalhe: em todos os casos, os
conteúdos foram parar em sites
alheios ao de seus produtores, sem
autorização, num fenômeno tido até
aqui como "natural", contra o qual
nada se pode fazer.
Os exemplos podem ser infinitos,
e o leitor pode escolher os seus pró-
prios. Deixando de lado o fato de
que é um poderosíssimo e insubstituível instrumento de intercomunicação (e-mail, mensagens instantâneas com imagem e voz, sites de relacionamento etc.), a grande riqueza
da internet, em termos de conteúdo,
é produzida pelas chamadas mídias
tradicionais: jornais, revistas, rádio
e televisão. Com um porém: tais mí-
dias não recebem recurso financeiro
algum em troca. Num fenômeno bem
esquisito, dão o seu conteúdo de
graça em seus próprios sites e são
pirateadas sem constrangimentos
por outros tantos sites.
Tem isso chance de dar certo?
Para ficar em dois exemplos, cada
episódio de "Lost" custa US$ 4 milhões, segundo a agência Reuters, e
cada hora do "Britains Got Talent",
US$ 1,3 milhão, segundo o "Daily Telegraph". Com a pirataria, a repercussão de "Lost" é cada vez maior,
mas sua audiência na TV tem sido
declinante: na quarta temporada
caiu para 13 milhões de telespectadores e, na mais recente, para 11 milhões. Audiência declinante significa
menos anunciantes, o que provocará inexoravelmente uma perda de
qualidade no futuro: sem conseguir
cobrar dos espectadores que assistem à série na internet, ficará cada
vez mais difícil fazer episódios tão
caros. Com Susan Boyle, muitos dirão que a internet só fez ajudar a audiência, e isso, embora seja verdade,
não é toda a verdade. Na final, a primeira temporada em 2007 alcançou
10,6 milhões de telespectadores, a
segunda, em 2008, 13,1 milhões (aumento de 23,5%) e a terceira, em
2009, estimulada pela internet, 17,3
milhões (aumento de 32%). O programa, portanto, vinha crescendo
mesmo sem a internet, e a pergunta
que fica é: quanto a audiência teria
crescido se os telespectadores não
tivessem outro jeito de ver a final,
senão na televisão? Pode-se imaginar que, na quarta temporada, alguns milhões de telespectadores se
inclinarão a deixar de ver o programa na hora em que é exibido para
vê-lo depois, na internet. Se o efeito
na audiência de TV for declinante,
até quando os produtores admitirão
pagar US$ 1,3 milhão por hora de
programa? O mesmo tipo de questionamento cabe nos exemplos da entrevista de Sarah Palin, do "Saturday
Night Live" e da cobertura das elei-
ções iranianas. Um telejornal, um
humorístico e uma cobertura internacional são altamente caros. Se não
se consegue impedir a pirataria ou
cobrar pelo que é reproduzido na internet, se este uso significar audiências menores nas mídias tradicionais, até quando seus custos poderão ser bancados?
Se não puderem, o declínio na
qualidade será geral.
Com o advento da interface gráfica da internet, em 1994, a mídia tradicional nunca temeu o novo meio.
Acreditou que, se morresse ou declinasse no velho mundo, continuaria
vigorosa e com saúde no novo mundo. Apostou em acesso gratuito, tentando reproduzir o modelo das televisões comerciais: atrair larga audiência e vender anúncio. Até aqui, a
estratégia não deu certo. Contribuiu
largamente para isso a crença de que
a internet, por natureza, é um espaço
sem dono, livre, democrático. Não é
verdade: não existem terras de ninguém. O que tem prevalecido é uma
terra com novos donos que, até aqui,
têm tido êxito em chamar de liberdade o que é puro roubo.
Ninguém sabe como a mídia tradicional conseguirá fazer a travessia
para o futuro. A defesa do copyright
me parece um caminho essencial.
PS: Este artigo só foi possível porque acessei, gratuitamente, os sites
da Nielsen, Reuters, Daily Telegraph,
ABC, CBS, ITV1, The New York Times
e Broadcast Magazine, a maior parte
deles encontrada pelo Google.