A Uerj, a primeira universidade brasileira a adotar o sistema de cotas raciais, divulgou um estudo bastante revelador. No vestibular do ano passado, foram oferecidas 1.048 vagas para negros, mas apenas 673 estudantes se inscreveram. Desses, 439 passaram. No ano anterior, o mesmo fenômeno já tinha acontecido. Foram
oferecidas 1.031 vagas para negros,
mas apenas 753 se inscreveram (as
aprovações foram de apenas 432 alunos). Antes, havia mais candidatos
inscritos do que vagas, mas o cená-
rio mudou completamente nos últimos dois anos. A Uerj anunciou, então, um amplo estudo, a ser concluí-
do até o fim deste ano, para descobrir as causas.
Eu pergunto: precisa?
Para mim, esses dados são eloqüentes e provam, de maneira cabal, que, se
os negros e os pardos não estão nas
universidades na mesma proporção
que ocupam na população geral, o motivo não é o racismo. Se, mesmo com
20% de vagas reservadas, não há inscritos suficientes, isso é um sinal claro
de que a política de cotas é um instrumento ineficiente para abrir as portas
do ensino superior. Se a Uerj decidisse
ampliar a reserva de vagas para, digamos, 40%, o único resultado seria uma
ociosidade ainda maior. O que esses
números dizem de uma maneira irrefutável é que o ensino médio não forma
alunos negros em número suficiente, o
que impede até mesmo uma simples
inscrição no vestibular (o certificado
de conclusão do ensino médio é requisito para entrar na universidade). Antes, havia mais inscritos do que vagas,
porque havia um estoque de alunos
formados em anos anteriores, estoque
esse que, com o tempo, se esgotou. Hoje, faltam formandos oriundos do ensino médio. Como para freqüentar o ensino médio e o ensino fundamental não
há nenhum pré-requisito, não se pode
dizer que haja neles um gargalo que
atinja especificamente os negros. Neste
país, negro, pardo, branco ou amarelo,
todos têm livre acesso às escolas pú-
blicas. Em outras palavras, não é o racismo que impede os negros de se formarem no ensino médio e, formados,
de passarem no vestibular, mesmo tendo a vida facilitada por cotas.
O que os impede de estar bem preparados é a pobreza. São os pobres,
de todas as cores, que freqüentam as
nossas escolas públicas, a maioria esmagadora delas de péssima qualidade. Os mesmos números da Uerj comprovam o que estou dizendo. A universidade também destina cotas para estudantes da rede pública: no ano passado, foram oferecidas 1.048 vagas, e
os inscritos foram 1.292 alunos. Mas
apenas 787 passaram, mesmo com as
cotas. No ano anterior, 1.581 alunos da
rede pública se inscreveram nas 1.031
vagas oferecidas nas cotas, mas, novamente, apenas 830 alunos conseguiram entrar. Por que há mais alunos
inscritos na cota para alunos de escolas públicas? A lei que instituiu as cotas na Uerj, diferentemente de outras
leis, não diz que negros são os negros
propriamente ditos e os pardos. Fala
apenas em negros, e ordena num outro parágrafo que a universidade crie
mecanismos para combater fraudes.
Num país miscigenado como o nosso,
é muito provável que os pardos de vá-
rias tonalidades tenham medo de se
inscrever como negros e passar o vexame de ou ver a inscrição negada ou,
pior, ser punidos como fraudadores.
Devem estar optando pela cota mais
segura, aquela que está isenta de qualquer tribunal racial, a cota para alunos
de escolas públicas. Mas o trágico é
que em ambas o índice de reprovação
é altíssimo: 35%, na cota para negros,
e 39%, na cota para alunos da rede pú-
blica. Um sinal óbvio de que o problema reside no péssimo ensino que nossas escolas dão aos seus alunos, os filhos pobres do país.
Uma tragédia.
Diante desses números, só há uma
conclusão possível: as universidades
só estarão coalhadas de alunos de todas as cores quando o nosso ensino
público for de qualidade. Hoje, segundo dados oficiais, 75% das escolas de
ensino fundamental no Brasil não têm
sequer biblioteca, 91% não têm laboratório de ciências, 80% não têm sala
de vídeo, 62% não têm computadores,
83% não têm laboratório de informá-
tica e 80% não têm acesso à internet.
Não há uma só reportagem feita em
uma escola pública típica, seja de cidade grande, pequena ou média, de
área urbana ou de interior, em que o
quadro não se repita: prédios caindo
aos pedaços, livros didáticos de baixíssima qualidade, professores mal remunerados e mal preparados. Enquanto esse quadro persistir, os pobres brasileiros continuarão barrados
às portas das universidades, mesmo
daquelas que tentaram o atalho fácil
das cotas. Haverá menos inscritos do que vagas oferecidas, e a reprovação
continuará a ser grande.
Não vê quem não quer. E quem não
quer ver são os racialistas, aqueles
que querem transformar a nossa sociedade miscigenada numa nação racialmente dividida a fórceps entre negros e brancos. Em vez de analisarem
os números e admitirem que é a pobreza, muito mais do que o racismo, a
responsável pela falta de acesso de negros às universidades, preferem escrever manifestos em que repetem os
mesmos falsos argumentos estatísticos de sempre. Desfiam uma série de
números mostrando que negros e pardos encontram-se em situação pior, na
média, do que os brancos, mas omitem que as estatísticas não permitem
deduzir que isso seja fruto de racismo.
É fruto da pobreza. O estudo da Uerj é
apenas uma prova a mais, dentre muitas. A sanha racialista é de tal ordem
que o Ipea chega a divulgar com pompa e orgulho que, este ano, os negros
serão maioria entre os brasileiros. Nada contra, se fosse verdade. Não é. O
que os dados do IBGE mostram inequivocamente é que o Brasil caminha
para ser a maior nação mestiça do
mundo. É isto o que temos de comemorar, é a prova mais evidente de que,
no Brasil, não existem grupos estanques, todos se misturam.
É a nossa novidade diante do mundo, contra a qual lutam os racialistas.