Há uma confusão recorrente
cometida por quem se depara com estudos estatísticos
sobre pretos, pardos e brancos. Ao constatarem que há disparidades entre esses três grupos, alguns
confundem desigualdade racial com
discriminação racial (ou racismo). Os
números mostram mesmo que, no Brasil, a maior parte de pretos e pardos
vive pior do que a maior parte dos
brancos: os pretos e os pardos são
66% dos pobres em nosso país. Portanto, para quem gosta de discriminar
as pessoas pela cor, pode-se sim dizer
que, no Brasil, há uma grande desigualdade racial. Mas nenhum modelo
estatístico até aqui apresentado permite dizer que essa desigualdade é fruto
do racismo. Ou seja, a maior parte dos
pretos e dos pardos é pobre, mas ninguém pode afirmar que eles são pobres porque são pretos ou pardos.
Alguns especialistas procuram superar essas dificuldades metodológicas e tentam encontrar uma maneira
de verificar se, de algum modo, as estatísticas podem "provar" que há racismo no Brasil. Geralmente, tomam
todos os cuidados, fazem todos os
alertas, avisam que tudo é apenas uma
hipótese, mas não adianta. Quem confunde desigualdade racial com discriminação racial se refestela, como se, finalmente, agora os números provassem o nosso racismo. Recentemente,
isso aconteceu em torno do artigo
"Classe, raça e mobilidade social no
Brasil", de Carlos Antônio Costa Ribeiro, em que o autor tenta responder à
pergunta: "De que forma cor da pele e classe de origem se relacionam às
oportunidades de mobilidade ascendentes?" Trocando em miúdos, o autor
quer saber se pessoas de mesma origem de classe, mas de cores diferentes, têm chances desiguais de melhorar de vida.
Para desenvolver o seu trabalho,
Ribeiro teve de se basear na Pnad de
1996, por que ela foi a última que continha informação sobre a ocupação
do pai (mas não a renda) no momento em que o entrevistado tinha 14
anos de idade (a origem de classe).
Comparando esse dado com a ocupação do entrevistado no momento da
pesquisa (destino de classe), o autor
pôde medir se, entre pai e filho, a vida melhorou, estabilizou-se ou piorou. Com base nisso, o autor fez cruzamentos levando em conta a cor e
os anos de escolaridade do entrevistado. Em um resumo muito rápido,
Ribeiro faz três assertivas.
A primeira: entre os filhos de trabalhadores rurais ou trabalhadores
manuais urbanos, não há desigualdade racial nas chances de mobilidade
social ascendente. "As chances de
mobilidade ascendente de pessoas
com origem nas classes mais baixas
são inteiramente determinadas pela
origem de classe, e a cor não tem relevância", diz o autor. A assertiva pode ser feita de fato, uma vez que os
profissionais das "classes mais baixas", por terem pouca qualificação,
podem ser facilmente comparados. É
uma conclusão importante, que só reforça o equívoco de implantar cotas
raciais. Na pobreza, onde a discriminação racial não existe, uns se beneficiarão, por serem negros, e outros ficarão de fora, por serem brancos.
A segunda assertiva: entre os filhos
de "profissionais, administradores,
pequenos empregadores, trabalhadores de rotina, técnicos e autônomos",
há desigualdade racial nas chances de
mobilidade social. Entre os brancos,
há mais chances de ficarem onde estavam seus pais ou de melhorarem de
vida; entre os pretos e os pardos, há
mais chances de piorarem de vida.
"As chances de mobilidade descendente e de imobilidade de pessoas
com origem nas classes mais altas são
significativamente influenciadas pela
cor da pele", conclui o autor. Aqui, porém, ele parte do pressuposto de que
todos têm qualificações semelhantes
e, por isso, são comparáveis. Mas isso
não é verdade. Como os pretos e os
pardos são a maior parte da pobreza,
os que se classificam dentro das categorias citadas pelo autor muito provavelmente têm uma qualificação menor do que a de seus colegas brancos.
Que trabalhador de rotina, por exemplo? Um funcionário de escritório de
uma pequena empresa no subúrbio é
um funcionário de escritório tanto
quanto aquele numa grande empresa
multinacional, mas qual dos dois terá
mais qualificação e salário? Como a
maior parte da pobreza é constituída
por pretos e pardos, é possível que o
da empresa de subúrbio seja preto ou
pardo e o da grande empresa, branco.
O futuro de seus filhos terá sido determinado não pela cor da pele, mas
por sua origem de classe.
A terceira assertiva: durante as etapas escolares, há mais desigualdade
de oportunidades educacionais em
termos de classe do que de raça. Mas, entre aqueles que conseguiram se formar, os brancos têm três vezes mais
chances de se tornar profissionais.
Costa Ribeiro, então, afirma: "Esta conclusão nos leva a sugerir que a discriminação racial ocorre principalmente
quando posições sociais valorizadas
estão em jogo." Notem que o autor é
cauteloso ("a conclusão nos leva a sugerir"), mas, mesmo assim, ele avança
o sinal: os dados não lhe permitem essa conclusão. Ao dizer que um formando branco tem mais chances de se tornar profissional do que um preto ou
um pardo, o autor cria uma relação de
igualdade que não existe: como são
maioria entre os pobres, os alunos
pretos e os pardos provavelmente estudaram em universidades privadas e
de baixo nível, enquanto os brancos
estudaram em universidades públicas
de alto nível. Quem terá emprego mais
facilmente? Novamente, é a situação
socioeconômica que determina o sucesso de um e o fracasso de outro, e
não a cor da pele.
O racismo deve ser combatido com
todas as armas. Mas é urgente que tenhamos consciência de que é a pobreza a nossa maior chaga. A melhor arma
para combatê-la é garantir educação
de qualidade. Quando todos tiverem
acesso à mesma qualidade de ensino,
minha aposta é que a desigualdade racial não será um problema.
PS: É feio a Câmara fazer audiência pública sobre políticas de preferência racial e deixar de fora os professores e intelectuais que são contra tais medidas.