De um tempo para cá, é comum ouvir que o problema brasileiro na educação
não é dinheiro. O número
mais citado é o volume de recursos
investidos na educação pelo setor
público (municipal, estadual e federal) como relação do PIB: o Brasil
não estaria longe das maiores potências do planeta ao investir 4%.
De fato, o estudo "Education at a
Glance, 2005", da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), mostra que esse investimento é da ordem de 4,4%
na Alemanha, 5,3% nos EUA, 4,4% na
Austrália, 4,6% na Itália, 4,6% na Holanda e de 5,1% na média de todos
os países da OCDE.
Para reforçar a tese de que investimos o necessário, passaram a nos
comparar aos países que, com
mais êxito, ultrapassaram a barreira do desenvolvimento com investimentos pesados em educação: a
Coréia investe 4,2% do PIB, a Irlanda, 4,1%, a Espanha, 4,3%. Mesmo
em relação aos nossos vizinhos latino-americanos, não fazemos feio:
a Argentina gasta 3,9% de seu PIB
com educação, o Chile, 4%, o México, 5,1%. Estamos, portanto, na mé-
dia, seja qual for o parâmetro.
Mas os números enganam.
Parece óbvio, mas ninguém sublinha o fato de que investimentos em
educação como proporção do PIB dizem pouco quando não consideramos o tamanho do PIB e o número de
estudantes atendidos. Imaginemos
dois países. O primeiro tem um PIB
enorme e poucos estudantes; o segundo tem um PIB pequeno e milhões
de estudantes. Os dois países podem
investir igualmente 4% do PIB, mas,
certamente, no primeiro país, os alunos terão ao seu dispor muito mais
recursos. Quando esses dados são levados em conta, a posição do Brasil
no ranking de países é vexatória.
Aqui, ainda segundo dados da
OCDE, o investimento por aluno na
primeira fase do ensino fundamental é de US$ 842 por ano; na segunda fase, é de US$ 913; e, no ensino mé-
dio, de US$ 1.008. Façamos as mesmas comparações do primeiro pará-
grafo. Na Alemanha, os números
são, respectivamente, US$ 4.537,
US$ 5.667 e US$ 9.835. Nos EUA, US$
8.049, US$ 8.669 e US$ 9.007. Na Austrália, US$ 5.169, US$ 7.063 e US$
7.908. Nos países da OCDE, em mé-
dia, US$ 5.313, US$ 6.089 e US$
7.121. Na comparação com aqueles
países que venceram os entraves
do desenvolvimento, nossa situa-
ção continua trágica. Na Coréia, os
números são US$ 3.553, US$ 5.036 e
US$ 6.747. Na Irlanda, US$ 4.180,
US$ 5.698 e US$ 5.758. Na Espanha,
US$ 4.592, para a primeira fase do
ensino fundamental, e US$ 6.010,
tanto para a segunda fase do ensino
fundamental como para o ensino médio. Nada melhora quando
nos comparamos aos
nossos vizinhos. Na
Argentina, os valores
são US$ 1.241, US$
1.286 e US$ 2.883. No
Chile, US$ 2.211, US$
2.217 e US$ 2.387. No
México, US$ 1.467,
US$ 1.477 e US$ 2.378.
Investir a mesma
porcentagem do PIB
em educação diz pouco, portanto.
Não se trata sequer de dizer que a
comparação é indevida porque nosso custo de vida difere dos outros
países: porque, na comparação com
os nossos vizinhos, continuamos a
perder feio no ensino básico.
No ensino superior, a situação
se inverte: nós gastamos despudoradamente em excesso. No Brasil,
gasta-se por aluno o equivalente a
US$ 10.361 ao ano. Na Alemanha,
US$ 10.999; na Austrália, US$
12.416; e na média dos países da
OCDE, US$ 10.655. Na Coréia, o
custo por aluno universitário é de
US$ 6.236; na Irlanda, US$ 9.808; na
Espanha, US$ 8.020. Se a compara-
ção for com os nossos vizinhos, os
números são os seguintes: na Argentina, US$ 3.235; no Chile, US$ 7.023, no México, US$ 6.074.
Por que digo que há excesso? Porque, no Brasil, a relação entre o percentual de verbas destinadas ao ensino superior e a respectiva popula-
ção de estudantes é escandalosa. Na
maior parte dos países, o montante
de verbas destinadas às universidades excede a proporção de alunos nelas inscritos. Na média, nos países da
OCDE, 15% de todos os alunos estão
nas universidades, mas o ensino superior abocanha 24% do total de verbas destinadas à educação. É normal:
o ensino superior é mesmo mais caro. No Brasil, porém, vivemos um
descalabro: os alunos inscritos em
universidades somam apenas 2% do
total de alunos, mas o ensino superior fica com 20% de todas as verbas
aplicadas em educa-
ção. Não há nada nem
de longe parecido em
qualquer um dos paí-
ses aqui mencionados.
Diante desses nú-
meros, entende-se
melhor por que as
nossas escolas públicas do ensino fundamental não têm bibliotecas, laborató-
rios de ciências, laboratório de informática, acesso à internet.
Entende-se também porque o professorado é uma classe cada vez
menos prestigiada, que recebe um
salário indigno, o que tira dele inclusive as condições de se aperfei-
çoar. Entende-se fundamentalmente por que estamos perdendo a corrida para superar a pobreza e alcançar o desenvolvimento.
Mas nosso problema, de fato,
não é falta de recursos, mas falta
de prioridade. Repito aqui, como
num mantra, o que venho escrevendo: o governo federal quer
gastar este ano R$ 8 bi em educa-
ção e R$ 19 bi em programas sociais superestimados, como Bolsa
Família e aposentadorias especiais para idosos e deficientes pobres. Não se trata, portanto, de
conseguir dinheiro novo, mas de realocar o já existente: redimensionar os programas sociais para
atender apenas aos necessitados
e investir a maior parte em educa-
ção, o único instrumento que redime o homem da pobreza.
Todo investimento que desvia dinheiro da educação é contraproducente, mesmo o antigo Bolsa Escola
na dimensão que teve no governo
passado. Porque o número de crian-
ças que não estudam porque precisam trabalhar jamais chega à casa
dos milhões. O grande professor
Sérgio Costa Ribeiro já mostrava no
início da década de 90 que o acesso
das crianças à escola era de 95%.
Em média, elas passavam oito anos
tentando desesperadamente estudar, mas saíam de lá sem nem de
longe concluir o ensino fundamental. O que as afastava da escola não
era a necessidade de trabalhar, mas
a repetência, o único estímulo que
os professores tinham à mão para
que o aluno estudasse.
O remédio contra a repetência
foi a progressão automática, mas
Sérgio sempre a criticou, por considerá-la uma medida isolada, inó-
cua. Mais importante, dizia ele, é
dar autonomia às escolas, tendo
como contrapartida a avaliação
de desempenho dos alunos. Dotar
as escolas de recursos materiais e
humanos para que se tornem ao
mesmo tempo atraentes e efetivas, com uma didática nova e professores estimulados e bem pagos. Mas não deixar de submetê-
las a um sistema de avaliação que
seja o parâmetro de tudo: a autonomia e os recursos financeiros
extras da escola estariam condicionados por essa avaliação.
Sérgio morreu precocemente e
o que vimos foi a adoção indiscriminada da progressão automática, sem nova didática, sem mais
recursos, sem uma avaliação com
resultados práticos: os professores se esforçam para ensinar, mas
a escola fracassa.
Dá uma tristeza.