Era uma vez Deus. Ele criou o
mundo, as coisas, os animais
e o homem. Do homem, criou
a mulher e, aos dois, franqueou o Paraíso. Eles poderiam tudo
fazer, menos comer o fruto proibido.
Mas sucedeu aquilo que judeus e
cristãos também sabem: a desobediência e a expulsão do Paraíso. Punidos, Adão e Eva passaram a ter que
ganhar o pão com o suor do rosto.
Todos os homens, porém, nascem
livres de pecado, pois Deus não puniria os homens, infinitas vezes, pelo
mesmo crime: segundo os muçulmanos, não existe o pecado original. Depois de Adão e Eva, vieram Caim e
Abel, os filhos dos filhos de seus filhos até Noé, que salvou a Humanidade do dilúvio.
Com Abraão, Deus fez sua aliança.
Sim, o mesmo Abraão da Torá e do
Antigo Testamento. Ele, o patriarca
das três religiões (o judaísmo, o cristianismo e o islamismo), era casado
com Sara, que não podia lhe dar filhos. Para agradar ao marido, Sara
deixou que ele se deitasse com Agar,
sua escrava egípcia. Dessa união, nasceu Ismael. Quando Ismael tinha 13
anos, Deus avisou Abraão que ele teria um filho com Sara. Abraão já tinha
99 anos e Sara 90. Isaac nasceu, e
Deus recomendou que ele fosse circuncidado no oitavo dia. Abraão se
circuncidou também, assim como Ismael, que tinha 13 anos. A circuncisão passou a ser praticada pelos mu-
çulmanos (assim como pelos judeus),
como símbolo da aliança com Deus.
Com o nascimento de Isaac, Sara
passou a ter um ciúme muito grande
de Agar e de Ismael. Deus então ordenou que Abraão levasse Ismael e
Agar para o deserto e lá os deixasse.
Mas disse a Abraão que ele nada temesse: Ismael estaria em segurança e
de sua descendência adviriam na-
ções. De Isaac também adviriam na-
ções. Esse relato está na Torá e no Antigo Testamento, que, no entanto, não
dão seqüência à história de Ismael.
A tradição islâmica nos conta o que
teria acontecido depois. Quando chegou ao lugar onde hoje está a cidade
de Meca, Agar se desesperou. A comida tinha acabado e a água também.
Mas o arcanjo Gabriel, sim, o mesmo
que anunciaria a Maria, séculos depois, o nascimento de Jesus, pediu que
Agar se acalmasse, pois o Senhor jamais a abandonaria. Neste instante, Ismael, que brincava na areia do deserto, fez um buraco e dele começou a jorrar água em abundância. A fonte logo
atraiu alguns pássaros e a presença
dos pássaros no céu chamou a atenção
de uma caravana de beduínos que passava ao longe. Os beduínos se aproximaram, um deles se apaixonou por
Agar e todos se fixaram na região.
Mas a tradição islâmica conta que
Abraão, sendo bom pai, jamais teria
abandonado Ismael à própria sorte.
Dessa forma, ele sempre o visitava,
educando-o na crença do Deus Único. Um dia, Deus pediu que Abraão e
Ismael reconstruíssem um antigo
templo erguido por Adão, e assim foi
feito. Quando o templo estava novamente de pé, Deus ordenou que
Abraão avisasse ao mundo inteiro
que dali em diante passaria a ser
obrigação de todo crente pelo menos
uma vez na vida fazer a peregrinação
àquele lugar — a Mesquita de Meca.
Abraão argumentou que ninguém o
ouviria, mas Deus insistiu em que sua
ordem fosse cumprida. Quando
Abraão abriu a sua boca, de sua garganta ecoou um som tão alto que
suas palavras foram ouvidas nos
quatro cantos do mundo. E assim começou a peregrinação a Meca.
Os anos foram passando e a palavra de Deus foi sempre se fazendo
presente pela boca dos profetas, que
se sucederam. Jacó, José, Moisés, que
em árabe é Musa. Depois, vieram os
outros até chegar Jesus, um dos profetas mais respeitados pelo islamismo, considerado um milagre de Deus,
porque nascido de uma Virgem, Maria. A tradição islâmica acredita em
todos os milagres de Jesus, mas não
acredita que seja Deus ou filho de
Deus: é um profeta de grande envergadura, fruto de um milagre divino.
No século VI, por volta do ano de
570, na cidade de Meca, nasceu Muhamad, o profeta do islamismo, considerado descendente direto de Ismael.
Ainda criança, ficou órfão de pai e
mãe. Meca, naquele tempo, já não era
monoteísta como no tempo de Abraão
e Ismael: o templo de Meca abrigava
três centenas de deuses. Apesar disso,
Muhamad sempre acreditou em um só
Deus (Alá é a palavra árabe para Deus,
assim como God é Deus em inglês).
Era um homem reto e íntegro desde
sempre, muito amado e admirado. Casou-se com Kadija, a quem foi fiel até a
morte dela. Aos 40 anos, Muhamad teve uma visão. O arcanjo Gabriel apareceu-lhe e ordenou que ele lesse o
que estava escrito. A luz era tão intensa que Muhamad desmaiou. Ao acordar, disse ao anjo que era analfabeto e
que, por isso, não poderia ler. O anjo
então voltou a ordenar que ele lesse e
Muhamad então conseguiu repetir as
palavras de Deus.
O evento perturbou-o imensamente. Durante três anos, somente um pequeno grupo à sua volta sabia da revelação. Depois, ele começou a fazer
sua pregação pública. Foi perseguido
pelos homens de Meca, e, em 622, teve
de refugiar-se em Medina, uma cidade
próxima que o acolheu e aos seus seguidores. O calendário muçulmano
tem seu marco zero aí, assim como o
calendário cristão parte do nascimento de Cristo. Tempos depois, Muhamad conseguiu conquistar Meca e
convertê-la ao culto do Deus Único.
O profeta continuou a receber as
revelações de Deus por 23 anos e o
conjunto delas forma o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, que se
pretende uma releitura das Escrituras Sagradas, do Gênesis ao Apocalipse. A tradição islâmica conta que
Muhamad um dia disse o seguinte:
"Não haverá nenhum profeta depois
de mim. A minha relação com a longa
cadeia de profetas pode ser compreendida como a parábola dum palá-
cio: o palácio estava maravilhosamente construído. Tudo estava completo, exceto o espaço para um tijolo.
Eu ocupei esse lugar e agora o castelo ficou completo." O Alcorão, no
entanto, respeita e admira os livros
anteriores, mas pretende revê-los. É
como se Deus tivesse feito uma tentativa desesperada de se fazer entender pela última vez. É por essa razão
que as interdições alimentares dos
muçulmanos são as mesmas dos judeus (como não comer porco, por
exemplo). É também por isso que há
proximidades com o cristianismo: no
fim dos tempos, antes do Dia do Juí-
zo Final, Jesus voltará à Terra, tal como está previsto no Apocalipse. Os
cinco pilares do islamismo, as cinco
obrigações dos fiéis, são as seguintes: acreditar em um só Deus e em
Muhamad como o último profeta;
orar cinco vezes ao dia; dar esmolas;
jejuar durante o mês do Ramadã; e fazer a peregrinação a Meca pelo menos uma vez na vida. islamismo quer
dizer literalmente "submissão voluntária à vontade de Deus" (não existe,
portanto, conversão forçada).
Visto assim, percebe-se que o islamismo está perfeitamente inserido
dentro da tradição judaico-cristã. Estes
são, em linhas gerais, os pontos de
convergência. Evidentemente, todo um
outro artigo poderia ser escrito para
ressaltar as (muitas) diferenças. Mas
em tempos difíceis como os nossos,
em que o risco de uma explosão de intolerância está cada vez mais forte, não
vale a pena. O que devemos nos esfor-
çar para dizer é que o islamismo só é
exótico para quem não o conhece.