O
leitor deve estranhar o atraso, mas foi o recesso de fim
de ano. No dia 20 de dezembro, estive na formatura de
ensino fundamental de uma das minhas enteadas, Alice, e do primo dela,
Pedro, na Escola Parque (mas o que
experimentei ali, tenho certeza, também deve ter se repetido em cerimô-
nias no Santo Agostinho, Ceat, Teresiano, Santo Ignácio e tantos outros). Assim que pus os pés no auditório, uma
emoção enorme tomou conta de mim
(e sei que o mesmo aconteceu com Antônio, o pai de Alice, com Patrícia, a
mãe dela, e com todos os pais e mães
ali presentes). A escola tem uma força
em nossas vidas como muito poucas
instituições têm. Tive que me controlar para não desabar num choro que,
eu temia então, parecesse ridículo a
muitos. Foi difícil.
Eu via aquele bando de rapazes e
moças e me lembrava da minha pró-
pria época, no Santa Rosa de Lima. É
tudo muito igual. Reconheci naquele
grupo todos os tipos que eu achava
únicos quando eu era da mesma idade.
Tinha o sujeito de oclinhos, com pinta
de intelectual, falando pelos cotovelos.
Tinha o cabeludão. Tinha o magrinho
tímido-quase-desmaiando. Tinha o bagunceiro. Tinha a menina desinibida,
tinha a mais retraída. Tinha todos os
tipos. Foi um mergulho no passado. Os
professores eram também os mesmos:
o popular, o sério, o emotivo, o boapraça, o jovem.
Vendo todos os alunos sentados, à
espera do diploma, eu os imaginava
dali a seis, dez, trinta anos, mortos
de saudades daquele instante. Minha
vontade era gritar: "Aproveitem esse
momento, aproveitem esse momento, aproveitem esse momento."
Eram três turmas. Os oradores,
dois por turma, eram brilhantes. Os
primeiros, Daniel e Guilherme, revezavam-se numa espécie de jogral: o
texto perfeito, engraçado, profundo,
emocionado, mas com um timing excelente de comédia. Todo mundo ria
com as tiradas, as piadas, todo mundo se emocionava com o carinho
com que se referiam aos colegas, aos
professores. Ouvindo-os, cheguei à
conclusão de que a melhor prova de
que uma escola funciona são os discursos dos oradores: se forem bons,
se tiverem, além das vírgulas no lugar, lógica, mensagem, profundidade,
é sinal de que a escola funcionou. E
naquele dia foi assim. Ali, foi tudo
perfeito. Os oradores seguintes, Nicolas e Maíra, foram um pouco mais
sérios, mas igualmente emotivos.
João e Morgana, os terceiros, optaram por uma linha diferente. Morgana conseguiu antever o que sentiriam
dali a muitos anos, ressaltando a
cumplicidade que todos dividiram
por tanto tempo. Ela calculou, sentindo saudades por antecipação, os segundos que dividiram juntos: vinte e
dois milhões, cento e setenta mil (ou
algo assim), tempo à beça. João confessou logo que teve muitas dificuldades para escrever o discurso. "Sofri muito", ele disse, revelando que
apenas poucos dias antes, no meio
de uma noite, acordara, sentara-se à
mesa e escrevera o texto, que versou
sobre cosmologia e o absurdo da
existência, especulando sobre o porquê de estarmos aqui e agora. Mas
terminou virando-se para os colegas
e admitindo: "Eu espero estar no coração de vocês porque vocês estão
no meu coração." E ainda concluiu:
"E eu aprendi a sentir isso com o meu
pai." Caramba, e eu que pensava que
ninguém mais tivesse coragem de dizer isso em público. Uma lição, para
mim, surpreendente.
Saí da cerimônia mais certo do que
nunca de que a escola educa, prepara
para a vida, dá os instrumentos fundamentais para que todos sobrevivamos,
e sou grato à Alice e ao Pedro pela experiência que pude ter. Mas, por quanto tempo, em nosso país, apenas aqueles que têm dinheiro para custear seus
estudos poderão usufruir de tudo isso? O professor Paulo Emílio Bouzan,
um dos paraninfos, disse acertadamente que esperava que aqueles jovens pudessem rejeitar uma sociedade
que reserva sempre o melhor para os
vips (very important people), pois todos, sem exceção, devem ser considerados muito importantes (cito de memória). Uma mensagem que devia ser
ouvida por todos.
Mas quando?
Não foi o professor Bouzan quem
disse; sou eu que digo agora: o presidente Lula, com a melhor das boas
intenções, mas equivocadamente, reserva R$ 10 bilhões para matar a fome de 54 milhões de brasileiros que,
segundo as melhores estatísticas,
não estão famintos. Não entende que
melhor faria se destinasse uma pequena fração disso para matar a fome dos realmente necessitados, na
casa dos milhares, para que o restante fosse todo usado em educação, a
única coisa que realmente tira o pobre da pobreza. Mas não. Os números do censo escolar de 2006 (o último disponível) são aterradores: 75%
das escolas de ensino fundamental
no Brasil não têm sequer biblioteca,
91% não têm laboratório de ciências,
80% não têm sala de vídeo, 62% não
têm computadores, 83% não têm laboratório de informática e 80% não
têm acesso à internet.
Sem mudar esse quadro, infelizmente, ainda vai demorar muito para
que nossos milhões de crianças de
escolas públicas possam ter a mesma experiência dos meninos e meninas das escolas parques de nossas
grandes cidades.