Assim que a campanha se definir, o Iraque voltará a ser
um dos grandes temas da
corrida presidencial americana. O leitor já está cansado de ler
que a guerra foi um atoleiro, que os
EUA não sabem mais lutar, que o nú-
mero de mortos em combate atinge
níveis alarmantes e que o Iraque estará pior no futuro do que esteve no
passado sob Saddam, graças à burrice de George Bush.
Será mesmo?
Em 1952, na Guerra da Coréia, Chu
En-Lai, então primeiro-ministro chinês,
foi a Moscou cobrar de Stalin a ajuda
militar que Mao vinha implorando à
URSS havia tempos. Logo no início da
guerra, em 1950, os soldados chineses
que foram em massa para a Coréia impuseram aos soldados da ONU, americanos em sua imensa maioria, derrotas
pesadas: não somente o Paralelo 38,
que separava as duas Coréias, tinha sido ultrapassado pelos chineses, como
a própria Seul caíra em poder dos comunistas. Foram dias difíceis. Em dezembro de 1950, o presidente Truman
declarou estado de emergência nacional, o que não acontecera na Segunda
Guerra Mundial nem tampouco aconteceria na Guerra do Vietnã. "Nossos lares, nossa nação (...) estão em perigo",
disse. Pouco mais de um mês depois,
um contra-ataque da ONU começou a
reverter o quadro, com perdas enormes para os chineses: cerca de três milhões de chineses foram enviados à Coréia e estima-se que pelo menos 400 mil
tenham morrido (o governo chinês oficialmente admite 152 mil mortos). Os
números americanos eram menores —
cerca de 37 mil mortos — mas considerados intoleráveis pela opinião pú-
blica: naquele ano, o apoio à guerra
atingiu o número mais baixo, apenas
33% dos americanos eram favoráveis à
continuação do conflito, um número
menor do que os que hoje são favoráveis à manutenção de tropas no Iraque,
42% segundo a última pesquisa (fevereiro) do Pew Research Center. Como
resultado, Eisenhower, que fez campanha prometendo ir pessoalmente à Coréia para pôr fim à guerra, encerrou
mais de 20 anos de comando democrata na Casa Branca, com uma vitória
mais do que acachapante.
Não era à toa que Stalin estava radiante diante de Chu. "A guerra na
Coréia mostrou a fraqueza dos Estados Unidos. As principais armas dos americanos
são meias femininas, cigarros e outras mercadorias. Eles querem
subjugar o mundo, mas
não são capazes de dominar a pequena Coréia.
Não, os americanos não
sabem lutar. Os americanos não são capazes de lutar uma
guerra em larga escala, especialmente
depois da guerra na Coréia" (as informações sobre a Guerra da Coréia foram tiradas do livro "Mao, a história
desconhecida", de Jung Chang e Jon
Halliday, cuja leitura recomendo fortemente). Stalin morreria sem ver o fim
da guerra.
A Coréia do Norte, comunista radical até hoje, transformou-se num Estado pária, e a Coréia do Sul é um dos
países mais dinâmicos da Ásia. Capitalista, claro. Embora tenha vivido a
maior parte de sua história desde então sob a chaga de regimes autoritários
(desde 1988, pode-se dizer, vive uma
experiência democrática), a Coréia do
Sul atingiu um alto índice de desenvolvimento humano e econômico, salvo
uma derrapagem na crise da Ásia em
1997. Tem uma indústria nacional poderosa e que compete no mundo inteiro (de muitas, cito apenas três empresas: Hyundai, LG e Samsung).
Depois da Guerra do Vietnã, a reputação militar dos EUA voltou novamente a ser motivo de piada. Com cerca de
60 mil soldados mortos ou desaparecidos em combate, a derrota americana
foi humilhante, e muitos
repetiam a ladainha de
que os americanos não
sabem lutar. Hoje, tantos
anos depois, pode-se dizer que Stalin tinha razão ao menos num ponto. Não, a máquina de
guerra americana não é
nem de longe incapaz,
mas, de fato, suas principais armas são outras:
não apenas meias femininas e cigarro, mas
bens e serviços de todos
os tipos. Mais da metade da economia
vietnamita está atualmente em mãos
estrangeiras (em 2007, foram US$ 10 bi
em investimentos diretos), e os EUA
estão na ponta, quando se consideram
investimentos totais, feitos diretamente ou por meio de outros países. Empresas americanas como Nike, Intel,
Canon, Coca-Cola, Visa, para citar apenas algumas entre milhares, fazem a
festa no Vietnã, aproveitando mão-deobra vietnamita, barata, para se expandir ainda mais pelo mundo inteiro. Os
principais investimentos americanos
no país são petróleo e gás. Há anos,
desde que se abriu para uma espécie
de capitalismo em 1986, o Vietnã cresce a taxas superiores a 7% (ano passado, o crescimento foi de 8,4%). O país
continua pobre, com uma renda per capita de apenas US$ 726 (contra quase
US$ 8.000 dos brasileiros), e não está
pior graças ao capitalismo recente: o
atraso foi decorrência de décadas de
guerra e de um socialismo fechado.
Comparando-se o que aconteceu na
Coréia do Sul, um aliado, com o que
aconteceu com o Vietnã, um ex-inimigo, pode-se ter uma idéia, talvez, sobre
o que pode acontecer com o Iraque,
dependendo do desfecho do conflito
naquele país. Daqui a décadas, veremos um Iraque com uma economia forte, empresas próprias e prósperas, como a Coréia do Sul, ou um país lutando
desesperadamente para alcançar o desenvolvimento, necessitando de empresas estrangeiras, como no Vietnã?
Quando se analisam outros eventos
históricos de grandes proporções, a
Guerra do Iraque ganha uma nova dimensão. O total de soldados americanos mortos no conflito em cinco anos é
de 4.076, uma tragédia, mas um décimo das mortes na Coréia em apenas
três anos.
Não me xinguem, mas ainda é muito cedo para se dizer com certeza o
que significou o Iraque para a segurança dos EUA e do mundo (embora
seja inegável que, até aqui, nenhum
atentado foi cometido em solo americano, toc, toc, toc). A História leva
tempo para julgar os fatos.