Filesa, Malesa e Time Export
eram pequenas empresas de
Barcelona. Apesar de terem
pouquíssimos funcionários,
conseguiram fechar contratos milionários de consultoria com os maiores e mais importantes bancos e empresas da Espanha. Funcionaram durante alguns anos até que em 1991 a
imprensa descobriu que os estudos
de consultoria jamais tinham se realizado. Eram apenas uma maneira de
esquentar o dinheiro obtido das
grandes empresas, sabe-se lá a troco
de quê. Filesa, Malesa e Time Export
pertenciam a dirigentes do Partido
Socialista Operário Espanhol. E o dinheiro captado pelas três, centenas
de milhões de pesos, serviu para financiar a campanha do partido nas
eleições de 1988. Quando o escândalo veio à tona, a reação do partido foi
a clássica: negou tudo e prometeu
processar os denunciantes. Mas, em
pouco tempo, Carlos Navarro, deputado tesoureiro do grupo parlamentar socialista, e Guilherme Galeote,
secretário de finanças do PSOE,
eram afastados de seus postos. Tesoureiros, sempre os tesoureiros.
Pouco tempo antes, o PSOE acabara de enfrentar a sua pior crise. Juan
Guerra tinha sido indicado para trabalhar como assessor na representa-
ção do governo central em Andaluzia e era irmão de Alfonso Guerra
que, na condição de vice-secretáriogeral do PSOE, ocupava a vice-presidência do governo espanhol. Era um
cargo sem importância, mas, valendo-se do parentesco, Juan se envolveu em uma série de negociatas milionárias. Quando a imprensa publicou as primeiras denúncias, Juan foi
acusado de tráfico de influência, corrupção passiva e de receber comissões ilegais. Acabou demitido de seu
posto, arrastando consigo o seu irmão, afastado da vice-presidência. O
PSOE fez o que sempre se faz: uma
ala que se auto-intitulou de reformista colocou toda a culpa pelos "desvios éticos" nos "guerristas" e conquistou o próprio lugar de Alfonso
Guerra, com Narcís Serra.
Felipe González, o líder carismático que levara o PSOE ao poder em
1982, comportava-se como se nada
tivesse com os escândalos. Dizia que
tomara conhecimento de tudo pelos
jornais, jurava inocência e prometia
tudo apurar. Foi para as eleições de
junho de 1993, com o partido encurralado pelas denúncias de corrup-
ção e com a militância envergonhada. E, no entanto, Felipe González
saiu-se vencedor, ganhando para o
PSOE mais um mandato. É verdade
que obteve apenas 38,8% dos votos
e, para formar o governo, teve de se
aliar aos nacionalistas da Catalunha
e do País Basco. Mas continuou presidente do governo.
A vida de González e dos "reformistas" que o apoiavam, no entanto,
continuou difícil, com os escândalos
se sucedendo. Luiz Roldan, chefe
durante anos da Guarda Civil, foi
acusado de toda sorte de falcatruas
milionárias e, depois de uma fuga cinematográfica, acabou capturado
no Laos. Mariano Rubio, presidente
do Banco de Espanha, caiu, acusado
de corrupção, num escândalo que
arrastou também o ministro da Agricultura, Vicente Albero Silla. Gabriel
Urralburu, governador de Navarra,
passou a responder por tráfico de
influência, comissões ilegais e foi
acusado de ter contas secretas na
Suíça. O próprio sucessor de Alfonso Guerra, Narcis Serra, viu-se envolvido num escândalo de escutas
ilegais e acabou tendo de se demitir
da vice-presidência de governo. Pelas mesmas razões, caiu também o
ministro da Defesa, Julián García
Vargas. Uma frase, pronunciada
anos antes por Felipe González, passou a ser muito lembrada: "Temos
hoje mais cargos públicos ocupados
por membros do PSOE do que militantes registrados em 1976, na derrocada do franquismo." O gigantismo sempre cobra o seu preço.
Como se tudo isso já não bastasse, logo chegaria ao ápice o escândalo sobre os Grupos Antiterroristas de Libertação (GALs), que, de 84
a 86, atuou na Espanha usando as
mesmas armas dos terroristas: 23
pessoas, acusadas de envolvimento
com o ETA, foram assassinadas. Já
em 1991, vieram à tona indícios de
que os GALs eram patrocinados por
membros do governo socialista de
Felipe González. Mas, em 1995, as
provas do envolvimento do ministro do Interior, do chefe da Seguran-
ça do Estado e de muitos outros funcionários graduados eram irrefutá-
veis. Um dos suspeitos, Julián Sancristóbal, acabou por se declarar
culpado e dizer que, sem a aprova-
ção de González, os GALs teriam durado cinco minutos. González, primeiramente, reagiu como mandam
os manuais: negou qualquer relação
entre os GALs e o governo e apelou
para que se evitasse "o uso partidá-
rio" do escândalo. Depois, disse que
estava em curso uma conspiração
contra a democracia, contra o
PSOE, contra ele próprio, contra o
rei, a Coroa e a monarquia.
Ao longo de toda a crise, em todos
os casos, González jamais foi envolvido diretamente nos escândalos.
Até mesmo na questão dos GALs,
uma votação apertada no Supremo
lhe permitiu depor na condição de
testemunha, e não como réu. Ao que
tudo indica, a todos parecia suficiente apenas chamuscar o chefe de governo, desde que os escândalos ferissem de morte o PSOE.
Eleições gerais foram antecipadas
para março de 1996. Não poderia haver cenário pior: corrupção em diversos órgãos, partidários de Gonzá-
lez envolvidos em múltiplos inquéritos e a comprovação de que o governo praticara o terrorismo de Estado,
com os GALs. E, no entanto, o PSOE
perdeu as eleições por apenas 300
mil votos, uma margem muito pequena de votos. "Foi uma doce derrota", declarou González à época.
Líderes carismáticos são assim,
quando apenas chamuscados. Mesmo em meio à maior série de escândalos da História da Espanha iniciada em 1991, González obteve uma vitória eleitoral em 1993. E só foi derrotado cinco anos depois da eclosão
da crise, mesmo assim por uma pequena margem de votos.
Felipe González em mais de um
sentido não é Lula, mas este é o
exemplo que vem da Espanha.