WASHINGTON. A essa altura
das eleições americanas, os
leitores do mundo inteiro já
devem estar convencidos de
que Bush se reelegeu porque
conseguiu levar às urnas um
número recorde de evangélicos brancos ou renascidos
em Cristo, contrários ao
aborto, ao casamento gay e
que quase nunca votam. Isso
não é verdade.
Uma pesquisa de boca de
urna foi feita pela Edison/Mitofsky para um consórcio formado pela ABC News, Associated Press, CBS News, CNN,
Fox News e NBC News. Os resultados desmentem a teoria
da "eleição evangélica". A primeira crença desmentida foi a
do maciço comparecimento
de eleitores que estariam votando pela primeira vez. Em
2004, eles foram 11% contra
9% em 2000, um aumento
inexpressivo. Mais relevantes
seriam os 17% que não votaram em 2000, mas votaram
em 2004. Esse número inclui
os que votaram pela primeira
vez e os que deixaram de votar em 2000. Incluiria também, claro, os tais quatro milhões de evangélicos que deixaram de votar em 2000 se
eles de fato tivessem votado
em 2004. Mas, notem, destes
17%, 54% votaram em Kerry e
apenas 45% votaram em
Bush. Ora, se é assim, os
brancos evangélicos ou renascidos em Cristo não tiveram nesta eleição um papel
diferente do que tiveram em
eleições passadas.
Pelo que dizem os números, 23% de evangélicos brancos ou renascidos em Cristo
votaram nesta eleição, um nú-
mero não superior ao de elei-
ções passadas. Destes, 78%
votaram em Bush (portanto,
do total do eleitorado, os renascidos em Cristo que votaram em Bush foram apenas
17%). Do total de eleitores,
54% eram protestantes (59%
votaram em Bush e 41%, no
católico Kerry); 27% eram católicos (52% votaram no protestante Bush e 47% em Kerry); 3% eram judeus (25% votaram em Bush e 74%, em
Kerry); 10% se declararam
sem religião (31% votaram
em Bush, 67% votaram em
Kerry). Com exceção dos renascidos em Cristo, os votantes cristãos se dividiram mais
ou menos entre os dois, com
vantagem para Bush.
Os leitores também cansaram de ler que a principal
questão para definir um voto nesta eleição foram os valores morais, o que teria decididamente beneficiado
Bush. Mas isso é uma meiaverdade ou uma meia-mentira. Porque apenas 22% dos
eleitores disseram que os
valores morais eram a principal questão. Vinte por cento disseram que o que importava era a economia.
Dois pontos percentuais separando uma questão da
outra não permitem a analista algum dizer que foram
os valores morais o pontochave da eleição. Mais significativo é o que esses 22%
que defendem os valores
morais mais prezam num
candidato: apenas 23% dizem que é uma forte fé religiosa; 21% querem um líder
que tenha posições claras;
19% querem um líder forte;
9% querem um presidente
que traga mudanças e 28%
relatam outras características. Ou seja, apenas 5% do
eleitorado total estavam
preocupados com religião.
Quase ninguém. Além dos
valores morais e da economia, preocupavam os americanos: terrorismo (19%),
Iraque (15%), sistema de
saúde (8%), impostos (5%) e
educação (4%).
Não há dúvida de que Bush
é conservador e defende posições extremadas no campo
da fé e da moral, posições
que eu condeno. Sou a favor
da liberdade dos indivíduos,
do casamento gay e de que as
mulheres possam fazer as
suas escolhas. Fé e política
não devem se misturar e, pelo
que os números mostram, os
americanos têm um claro entendimento sobre isso.
O que estava em jogo na
eleição era a guerra contra o
terror islâmico. Juntando os
quesitos "Terrorismo" e "Iraque", eles somam 35% das
preocupações dos americanos, bem acima dos tais "valores morais". E a maior parte dos eleitores mostrou que
sabe o perigo que o mundo
corre. O resto é bobagem,
preconceito sem base em
números. Não foi a América
profunda, a luta contra aborto ou gays que decidiram a
eleição. Como diria aquele
assessor de Clinton: "Foi a
guerra, idiota!"