Semana passada, o Arnaldo Jabor
saiu-se com a seguinte tirada na TV
Globo: "Sabem por que aquela bomba gigante chama-se a mãe de todas
as bombas? Porque vai gerar milhares de homens-bomba". Parecia
profecia, porque, já no dia seguinte,
um militar suicida iraquiano explodiu o carro em que estava, matando
quatro soldados americanos. E o
ministro das Relações Exteriores do
Iraque, o cristão Tarik Aziz, deu as
boas-vindas a quatro mil homensbombas que teriam chegado ao Iraque para combater os EUA. Tudo isso me fez pensar que fenômeno leva alguém a se matar para matar
outras pessoas.
A mesma pergunta se fizeram os
muçulmanos do século XI quando
pela primeira vez o fenômeno irrompeu naqueles lados do mundo,
pelas mãos de uma seita que se dizia também muçulmana. E, diante
da loucura do expediente, que contrariava todos os ensinamentos do
Alcorão, a resposta encontrada foi
uma só: haxixe, eles só podiam fazer aquela loucura drogados. Nunca se provou a tese, mas os muçulmanos apelidaram os adeptos daquele método de os "Hashshashin"
(os que fumam haxixe), palavra
que entrou em muitas línguas como "assassinos".
Os suicidas pertenciam a uma
seita fundada, em 1090, por Hassan
e-Sabbah, um persa xiita que tomou a si o projeto de restabelecer
o califado, restituindo-lhe a glória
como no tempo do Profeta. O mundo islâmico, no ano de seu nascimento, em 1048, era xiita: desde
932, um poderoso grupo xiita, os
Buwayhidas, dominava Bagdá e ditava suas leis ao próprio califa, que
era sunita. No Egito, um outro grupo xiita, os fatímidas, chefiava um
segundo califado.
Mas as coisas logo começaram a
mudar. Em 1055, os turcos seldjú-
cidas, sunitas, invadiram Bagdá,
perseguindo os xiitas e fazendo
prevalecer a crença sunita (o califa
continuou a ser uma figura decorativa, sem poder real). Anos depois,
no Egito, o califa xiita também passou a ser uma marionete nas mãos
do seu vizir armênio. Hassan quis
pôr um fim a isso, aliando-se a Nizar, o filho mais velho do califa do
Egito. Seu plano? Ataques suicidas
contra seus oponentes.
O crime devia acontecer à luz do
dia, no lugar mais movimentado da
cidade, de preferência numa mesquita bem cheia durante as orações
de sexta-feira. Para que o ato tivesse ampla repercussão e provocasse
medo. O primeiro crime aconteceu
em 1092 e teve como alvo ninguém
menos do que Nizam el-Mulk, o vizir
turco que durante trinta anos organizara o poder sunita.
Ele foi assassinado por um adepto de Hasan em 14 de outubro de
1092. Apesar do sucesso da empreitada, o plano de restituir a gló-
ria ao califado fracassou, pois Nizar, o filho do antigo califa xiita,
não conseguiu tomar o poder no
Egito e foi emparedado vivo. Hasan
não desistiu, porém. Ele organizou
cada vez mais a sua seita com o objetivo de destruir seus oponentes
sunitas. Seus crimes seguiram sempre a mesma técnica suicida: seus
adeptos disfarçavam-se como pessoas comuns, pedintes, mercadores, crentes e, quando a vítima passava à sua frente, enfiavam-lhes a
adaga até que morressem. Faziam
isso sabendo que seriam mortos
imediatamente, pois agiam sozinhos, sem possibilidade de defesa.
Mas tinham sempre um sorriso nos
lábios, porque acreditavam piamente em tudo o que Hasan lhes dizia: não morrerão, mas entrarão direto no paraíso, terão autorização
para ver a face de Deus, disporão
dos serviços de 72 virgens e poderão indicar outros setenta parentes
para que entrem também no paraí-
so. A seita aterrorizou o Oriente
Médio por mais de 150 anos, tutelou, pelo terror, muitos emires, até
serem exterminados de vez pelos
mongóis e sultões mamelucos.
De vez? Bem o método deles ressurgiu em 1983, no Líbano e, agora,
ironia da História, seus adeptos vivem o seu ápice com a al- Qaeda,
de Osama bin Laden, e seus congê-
neres do grupo Hamas e Jihad Islâ-
mica, todos ultra-ordoxos sunitas,
os inimigos contra os quais se batia a seita de Hasan e-Sabah.
Como uma crença da Idade Média
pode ser revivida em pleno século
XXI é assunto para outro artigo.