O debate corre o mundo, mas,
por aqui, andava parado. Refiro-me à propaganda eleitoral na televisão, seja no modelo brasileiro, obrigatória e parcialmente subsidiada pelo contribuinte, seja no modelo americano, totalmente
custeada pelos partidos. A pergunta
que se faz é se ela é ética, correta, honesta com os eleitores. E eu emendo
com outra: há algum mecanismo para
defender o eleitor?
No Brasil, a resposta é não. A legislação é feita para proteger os políticos, não os eleitores. Um político
ofendeu a honra de outro? Direito de
resposta nele! O eleitor foi iludido?
Nada a fazer. A culpa, no entanto, não
é da Justiça Eleitoral, que aplica estritamente a lei. A culpa é dos pró-
prios políticos: são eles que fazem a
lei eleitoral e, claro, legislam em causa própria. O resultado, a curto prazo, são desvios éticos, na aparência
pequenos, mas com poderoso efeito
na eleição. A longo prazo, o resultado
é o descrédito na política.
Não me refiro aqui às promessas
que os candidatos não cumprem. A
punição acaba vindo na eleição seguinte. O que me chama a atenção é
a falta de ética nas técnicas usadas
para passar essa ou aquela imagem
do candidato, os truques que os
marqueteiros usam sem sequer se
dar conta de que a atitude tem nome: fraude. Os exemplos são muitos, e raro é o candidato que não pode ser citado.
A campanha de Lula, por exemplo.
Os programas começavam assim: num
lindo, amplo e bem decorado escritó-
rio, dezenas de técnicos e políticos famosos apareciam trabalhando na elaboração do programa do PT. Lula passeava entre eles, abraçava uns, dava
tapinha nas costas de
outro e dizia qualquer
coisa como: "E o programa de hoje será sobre
agricultura." Mas era tudo falso, tudo cenário: o
escritório não existia e
ninguém ali estava trabalhando. Como Lula e o
PT eram acusados de
não ter nem programa
nem equipe, a solução
era excelente. Mas foi
correta, foi ética? Quantos brasileiros não terão
se enganado, acreditando que aquilo
era realidade? O PT certamente estava
elaborando um programa de governo,
talvez tivesse um escritório central.
Por que não mostrá-lo como de fato
ele era? O mesmo se pode dizer em relação às entrevistas em que Lula era
sabatinado por jovens. O eleitor era levado a acreditar que as perguntas
eram espontâneas, mas, na verdade,
era tudo ensaiado. É correto iludir o
eleitor?
A campanha de Serra não ficou
atrás. O formato de alguns programas
imitava um telejornal, com informa-
ções sendo dadas como se fossem notícias, e, portanto, verdades, mas
eram propaganda eleitoral. Por que
confundir duas linguagens em tudo
opostas? Para iludir o eleitor? E as entrevistas feitas por Gugu e Valéria
Monteiro, também como se fossem
espontâneas, quando,
na verdade, eram ensaiadas? Para um candidato então com fama de
antipático, usar um
apresentador então popular pode ter sido uma
estratégia correta. Mas,
ainda uma vez, eu pergunto: é ético?
Nada disso se aplica
ao marketing de produtos, que evoluiu muito
eticamente. Ninguém
vende aquilo que o produto não oferece, porque é contraproducente, o consumidor descobre
minutos depois da compra. O publicitário trabalha para realçar as qualidades que o produto de fato tem,
mesmo que elas sejam intangíveis,
como status etc. Se ferir a ética, a auto-regulamentação do setor pune o
faltoso imediatamente. Já o candidato, se eleito, tem de ser "consumido"
pelos 4 anos seguintes. E o TSE está
de mãos amarradas.
O certo seria obrigar os candidatos a colocar legendas bem grandes
para identificar o que se mostra. Sobrepondo-se às cenas do escritório,
estampar: SIMULAÇÃO. Nas entrevistas falsas, escrever: PERGUNTAS E
RESPOSTAS PREVIAMENTE ENSAIADAS. Na cena do telejornal, pôr o letreiro: TELEJORNAL DE MENTIRINHA. Se essas legendas destroem as
cenas e as fazem perder a utilidade,
não seria isto a prova maior de que o
recurso é antiético?
O horário eleitoral, do jeito que está,
talvez explique o comportamento dos
candidatos — não todos — que a cada
eleição mais regras impõem para debates e que saem das entrevistas ofendidos, apenas porque se pergunta o que é
de interesse do público e não do político. Talvez Mário Covas é que tivesse
razão: o horário eleitoral deveria permitir apenas a presença dos candidatos
nos estúdios, defendendo as suas propostas, exibindo gráficos quando necessário, mostrando filmes, comprovadamente reais, sobre suas realizações e
só, como lembrou aqui no GLOBO o
presidente do TSE, Sepúlveda Pertence. Ou, então, o TSE deveria ter o papel
de fiscalizar o que é recurso ficcional e
o que é realidade. Afinal, eleição não é
novela e político não é ator. Ou não deveria ser.