Em tese, uma reforma políticoeleitoral pode ser feita em benefício dos eleitores ou dos
eleitos. Na prática, como parlamentares legislam em causa pró-
pria, no mundo inteiro as reformas
são do segundo tipo. A proposta do
PFL, aprovada na semana passada pelo Senado, não foge à regra. Tudo nela
visa a beneficiar os partidos de uma
maneira canhestra, como se as agremiações e os políticos fossem inimputáveis. Que um partido que traz no nome o rótulo de liberal proponha tantas limitações à liberdade de expressão política é algo que só confirma a
geléia ideológica em que vivemos.
A proposta parte do pressuposto
de que, no aperto, todos são corruptos. Tiveram a idéia de propor a proibição dos showmícios, porque são
muito caros. Propuseram que apenas
os candidatos falem na TV, sem nenhuma sofisticação de imagem, sem
cenas externas, também para reduzir
os custos de produção. Proibiram ainda a divulgação de pesquisas eleitorais nos 15 dias que precedem a elei-
ção. E, por fim, propuseram a proibi-
ção de distribuir camisetas, broches,
bonés e outras quinquilharias.
É como uma casa em que um dos
membros é alcoólatra: não se compra
bebida alcoólica. É como se os polí-
ticos dissessem: se a campanha for
cara, eu roubo. Se eu quisesse provocar, diria: se for barata, também.
A forma que encontraram para impedir a realização de showmícios foi
proibir que artistas sejam contratados, de forma remunerada ou não,
para animar comícios. Isso é expressão pura de autoritarismo, uma medida claramente inconstitucional. Se um artista quiser participar espontaneamente de uma campanha, cantando, que o faça. É direito dele. Se
um partido quiser pagar a um artista
para entreter os seus eleitores, que
o faça. Se um partido adversário
considerar o expediente baixo, que
denuncie. Se achar que um showmí-
cio é caro, que não faça. Se achar
que o partido adversário gasta rios
de dinheiro para comprar shows,
que denuncie. Por que a legislação
deve tutelar partidos e políticos?
Eles que tomem conta de si.
Na mesma linha está a proibição de
distribuir quinquilharias. Se um candidato é idiota o suficiente para acreditar
que comprará o voto
de alguém com um chaveiro ou um boné, por
que terá de ser a sociedade a impedi-lo de
gastar dinheiro, inutilmente, com isso? Nós
não temos nada com o
assunto, chega a ser ridículo pensar em tal tipo de proibição.
As propostas para o
horário eleitoral obrigatório vão num caminho também
perigoso, o da censura. Já escrevi
aqui um artigo mostrando que a propaganda política, tal como é feita no
Brasil, é pura fraude. Aquele escritó-
rio em que políticos, professores e intelectuais fingiam trabalhar no programa eleitoral de Lula era apenas cenário, uma fantasia. Como também
eram falsos os debates em que Lula
era "sabatinado" por estudantes. Duda Mendonça disse na CPI que muitas
vezes Lula gravava de bermudas e paletó, com fita crepe colada atrás para
o caimento parecer melhor. Todo mundo achou natural, mas não é.
Igualmente, Serra foi falsamente entrevistado pelo apresentador de TV
Gugu Liberato. Os programas eleitorais do tucano fingiam ser telejornais,
o que certamente confundia o eleitor.
Tudo isso é condenável, mas a solu-
ção não é impor que apenas o candidato fale, sem imagens, sem cenas externas. A solução é que o TSE impeça
a mentira. Tem poderes para isso.
Aquele escritório virtual do Lula
era tão obviamente falso que o TSE
poderia simplesmente proibi-lo.
"Mostre o comitê de verdade, não um
cenário", diria a sentença. Ou mesmo
um dos adversários poderia ter denunciado a
fraude, se não estivesse
cometendo fraude
idêntica. Entrevista falsa? Não pode. Telejornal enganoso? Ponha
fora do ar. Mas se um
candidato de fato se
dispuser a reunir um
grupo de estudantes
para se submeter a perguntas, por que proibilo? Se um candidato
quiser mostrar in loco
suas obras, por que impedir? Se mostrar o que não existe, deve sofrer as
sanções: o TSE punirá ou os adversários denunciarão ou a imprensa cumprirá o seu papel. Se o candidato quiser mostrar os defeitos das obras de
seu adversário, que o faça. Se estiver
mentindo, que seja punido ou denunciado, seja pela imprensa, seja pelos
adversários. O que não faz sentido é
proibir tudo, para que a fraude não
seja possível. Mais uma vez, é como
proibir a venda de carros para impedir o roubo de carros.
O mesmo projeto prevê a redução no tempo da campanha. Os partidos
teriam até o dia 31 de julho para definir as candidaturas e até o dia 5 de
agosto para registrá-las. Como a eleição é no primeiro domingo de outubro, até um mês e vinte e cinco dias
antes das eleições o país não teria um
quadro definido de candidatos, o que
geraria uma instabilidade grande do
quadro político, com prejuízos para
os cidadãos. Pode ser bom para os
partidos, que ganhariam mais tempo
para conchavos. Mais uma vez, porém, será uma reforma para eleitos,
não para eleitores.
E, por fim, a proibição de pesquisas
eleitorais fere de morte o direito que
todo eleitor tem de se informar livremente. Saber se seu candidato é viá-
vel ou não, e, com isso, fazer escolhas, é um direito inalienável do eleitor. Negar isso a ele é ferir a Constituição. É uma medida de cunho autoritário, que só beneficia os partidos.
O mais curioso é que a reforma toca apenas levemente no financiamento de campanha. A lei atual simplesmente não prevê punição para empresa que doe em caixa dois. Na proposta aprovada pelo Senado, nenhuma
mudança. Por via das dúvidas, não se
mata a galinha dos ovos de ouro.
Mais uma vez, eu repito que mais
importante do que mudar as regras é
mantê-las, para que o eleitor saiba
usá-las, e fazer com que sejam cumpridas. Nós precisamos apenas de
ajustes: fidelidade partidária, cláusula de barreira e punição para doadores irregulares. Querer proteger a democracia com proibições é um contra-senso. Na verdade, o que se quis
proteger não foi nem o eleitor nem a
democracia, mas os eleitos.