Toda vez que sai a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE (PNAD), é a
mesma história: ouve-se que
as mulheres são discriminadas no mercado de trabalho. Elas ganham em mé-
dia R$ 456, e os homens, R$ 722, 54% a
mais. Para excluir qualquer dúvida,
muitos se fixam no dado de que homens e mulheres com igual número de
anos na escola têm salários diferentes,
sem exceção. As mulheres com 11 anos
ou mais de estudo, para citar apenas
um caso, ganham, em média, R$ 829,
enquanto os homens na mesma condi-
ção recebem R$ 1.416. Um dado importantíssimo, no entanto, capaz de explicar diferença salarial tão grande, fica
sempre escondido: as mulheres trabalham menos horas. 42% trabalham menos do que 39 horas semanais, enquanto apenas 15% dos homens têm jornada semelhante. 48% dos homens trabalham 45 horas ou mais por semana
contra apenas 28% das mulheres. Menos horas trabalhadas, menos salário,
essa é a regra.
Evidentemente, quando se leva em
conta os afazeres domésticos, a jornada real de trabalho das mulheres é bem
maior. Apesar de todo o avanço, muitas
mulheres têm ainda de enfrentar uma
dupla jornada: em casa, cuidando dos
filhos e maridos, e, no trabalho, cuidando da profissão. É exatamente este o
motivo que leva um número grande de
mulheres a procurar empregos que
lhes tornem possível essa dupla jornada, empregos que pagam invariavelmente menos. A mesma PNAD mostra
isso. Excluindo-se os serviços domésticos, há maior concentração de mulheres em quatro áreas de atividade:
agrícola (16%), educação, saúde e serviços sociais (17%), comércio e repara-
ção (16%) e indústria (12%). Em todas
essas áreas, as mulheres recebem menos do que os homens. Mas, em todas
elas, também trabalham menos. Vejam
a porcentagem das que trabalham menos do que 39 horas: agrícola (78%,
contra 31% dos homens), educação,
saúde e serviços sociais (47%, contra
37% dos homens), comércio e repara-
ção (34%, contra 16% dos homens), indústria (32%, contra 8% dos homens).
Ou seja, apesar de trabalhar nos mesmos setores, grande parte das mulheres é levada a procurar funções que
exigem uma carga horária menor, com
menor salário. Não são discriminadas
porque são mulheres; recebem menos
porque trabalham menos horas.
Uma maneira de verificar que a diferença salarial não se deve à diferença
de gênero é constatar que não há grandes discrepâncias numa mesma faixa
de rendimento. Por exemplo, na faixa
dos que ganham entre um e dois salá-
rios-mínimos, seria prova de discriminação se a média salarial das mulheres
fosse puxada para o ponto inferior da
escala (um salário) e a dos homens ficasse mais próxima do ponto superior
(dois salários). Mas isso definitivamente não acontece. Na faixa dos que ganham entre meio salário-mínimo e um
salário, a remuneração das mulheres é
cerca de 2% superior à dos homens; na
faixa entre um e dois salários, a diferen-
ça a favor dos homens é de apenas 2%;
na faixa seguinte, a diferença a favor
dos homens cai para 1%; na faixa entre
3 e 5 salários, não há diferença entre o
que recebem homens e mulheres; nas
duas faixas seguintes (5 a 10 salários e
10 a 20 salários) a diferença pró-homens é novamente de apenas 1%. Isso
prova que há igualdade entre homens e
mulheres dentro de uma mesma faixa
salarial. Portanto, ao se deparar com a
informação de que, em média, os homens recebem 54% a mais do que as
mulheres (R$ 722 contra R$ 456), o leitor apressado pode ser levado a erro.
Não há discriminação: o que há é uma
maior concentração de mulheres em
funções que remuneram menos, pelas
razões que já expus.
Uma tabela muito esclarecedora é a
do Censo 2000, que mostra as diferen-
ças salariais entre homens e mulheres
em diferentes ramos de atividade. Na
construção civil, homens recebiam em
média R$ 487 e mulheres, R$ 658. Diante
desses números, dizer que mulheres
discriminam os homens seria um disparate. O que ocorre é que o setor concentra apenas 0,4% das mulheres economicamente ativas, e elas, provavelmente,
são aquelas que trabalham como engenheiras. Em contrapartida, 11% dos homens trabalham no setor, e eles são desde o pedreiro até o engenheiro. A média
salarial dos homens leva em conta os
salários de todas as funções, ficando,
assim, menor do que a das mulheres,
em sua maior parte engenheiras. É exatamente o mesmo efeito que explica as
diferenças salariais entre homens e mulheres com 11 anos ou mais de estudo:
os homens devem ter optado por profissões mais lucrativas e muitas mulheres procuraram aquelas que lhes tornassem possível a dupla jornada.
Com todos esses dados, não quero
nem de longe deixar dúvidas de que sei
o quanto é sacrificada a vida das mulheres que trabalham fora e ainda têm de
cuidar da casa. São umas heroínas. Mas,
ao analisar as estatísticas sobre homens
e mulheres no mercado de trabalho,
não se deve olhar para a aparência dos
números e chegar à conclusão sem base na realidade: "As mulheres recebem
menos do que os homens porque são
discriminadas." É preciso buscar todos
os números, analisá-los em perspectiva,
sem nunca esquecer que tudo tem uma
racionalidade econômica por trás.
PS: A pesquisa do Centro de Políticas
Sociais da Fundação Getúlio Vargas, que
mostra que há 47 milhões de brasileiros
indigentes, deixou-me horrorizado. Não
pelo resultado, mas pelo método. Ela diz
que quem não tiver renda para uma dieta
diária de 2.888 calorias é indigente. O Departamento de Saúde dos EUA mostra
que os homens de lá consomem 2.475 calorias/dia; as mulheres, 1.833. No Reino
Unido, informa-se: 2.550 calorias para homens e 1.940, para mulheres. Qualquer
consumidor ao analisar os dados nutricionais de um alimento lê que eles se baseiam numa dieta de 2.000 calorias. Pelos
dados da pesquisa brasileira, chegaremos a uma de duas conclusões: ou não
temos 47 milhões de indigentes ou EUA e
Reino Unido terão de importar o nosso
Bolsa Família.