Quando George W. Bush declarou que a guerra contra o
Iraque era parte da guerra
contra o terror, publicaram-se
muitos artigos indignados. Diziam que a guerra era por petróleo, que Saddam e seu regime nada tinham a ver com a
al-Qaeda e que o presidente
americano não passava de um
idiota, mentiroso, mas idiota.
Hoje, depois dos ataques terroristas contra a ONU e a Cruz
Vermelha, em vez de fazerem
um mea-culpa, os mesmos
analistas repetem, cheios de
orgulho, uma espécie de "tá
vendo, nós avisamos, mostramos o atoleiro em que vocês
iriam se meter".
É muita miopia. Miopia
compartilhada pela opinião
pública e pela elite dirigente
da maior parte dos países. A
ONU, todos reconhecem, recusou-se, até o fim, a dar o
seu aval para a guerra. Os
EUA foram derrotados no
Conselho de Segurança e decidiram agir por conta pró-
pria. Levando em considera-
ção esse dado, um atentado
contra a ONU não faria sentido se não fosse entendido
como um recado do terror
para o mundo. Mas, para os
porta-vozes de uma posição
antiamericana, cegos, nunca
dispostos a dar o braço a torcer, foi fácil encontrar uma
justificativa para o injustificável: o embargo de 12 anos
contra o Iraque, patrocinado
pela ONU, seria a raiz da
atrocidade. Talvez inconformados com o "mal-entendido", os terroristas decidiram
dar um recado ainda mais
claro ao mundo: atacar a
Cruz Vermelha, uma entidade que está no Iraque desde
1983, ajudando o país a superar todas as mazelas provocadas pelo regime de Saddam (a guerra de oito anos
com o Irã, a primeira guerra
do Golfo, o embargo da ONU,
sempre com uma postura de
absoluta neutralidade). Como explicá-lo?
Não há outra maneira senão interpretá-lo como uma
mensagem explícita do terror
contra a parte do mundo que
pensa com a cabeça, defende
os princípios mais nobres da
Humanidade e consegue conviver com as diferenças: "Nós
estamos contra vocês, nossa
verdade é única e vamos impô-la ao mundo, porque nós
temos uma linha direta com
Deus". Mas, para os que teimam em não ver, a coisa não é
bem assim: o atentado teria
visado tão somente a desmoralizar as tropas americanas,
mostrando que os EUA são incapazes de garantir a paz e a
segurança prometidas. Não
percebem que, para obter tal
objetivo, qualquer atentado
serviria, e os alvos americanos e pró-americanos lá são
inúmeros. Por que então a
Cruz Vermelha?
Por mais antipática que a
tese possa ser, a verdade é
que, longe de representarem
o fiasco americano, os dois
atentados mostram que Bush
tinha razão. Se, sem um Estado organizado por trás, os
homens leais a Saddam são
capazes de promover atentados dessa envergadura, o
que poderiam fazer ou patrocinar se ainda estivessem no
poder? Mas a maior parte das
pessoas não quer ver isso.
Era de se esperar que as na-
ções do mundo que pensa,
que é racional, que é capaz de
conviver com o diferente, se
unissem para dar uma resposta definitiva a esses fanáticos
capazes de tudo. Mas o que se
vê, ao contrário, é um certo
êxtase pelas dificuldades por
que os EUA estão hoje passando. Não percebem o desastre que uma derrota americana no Iraque significaria
para o mundo, a força que o
fanatismo religioso ganharia.
Não estão interpretando bem
a mensagem, apesar do esfor-
ço dos terroristas para se fazerem entender (o fanatismo
é tão grande que seria pecado
esconder os objetivos). Esses
fanáticos não são o Islã, que
prega a paz, mas uma parte
deformada dele, rechaçada
pela maioria dos muçulmanos, porque a parte racional
do mundo também mora em
Bagdá, em Trípoli, no Cairo,
etc.
As analogias com o Vietnã
são muitas e muito do agrado
dos que buscam explicações
fáceis. Mas as diferenças são
as que importam: o inimigo
ali era ateu, racional e sabedor das próprias limitações.
O inimigo hoje acredita que
fala com Deus, e que, por isso,
os limites são apenas decorrentes de fé insuficiente. Para
eles, o apocalipse não é o fim
do mundo, mas apenas uma
verdade revelada, inescapá-
vel, anunciadora do início do
Reino dos Céus na Terra. O
mundo não se dá conta de
que, para o suicida em busca
do paraíso, não há diferença
entre morrer para matar dezenas ou morrer para matar
milhões. A diferença está apenas no poder da bomba com
que se explode.
Tempos difíceis os nossos.
Se o outro lado conhece bem
os seus objetivos, e é capaz
de morrer por eles, nós, a parte aparentemente racional do
mundo, não percebemos sequer de que lado nós estamos.