"Opus Dei", O Globo, 21/02/2006 | Artigos - Ali Kamel 

Autor: Ali Kamel

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"Opus Dei", O Globo, 21/02/2006

Até bem pouco tempo atrás, eu sabia apenas o trivial sobre o Opus Dei. Hoje, depois das pesadas críticas que alguns lançam contra a prelazia, sei um pouco mais. Viver num país livre é isso: você é atingido por informações parciais e truncadas, que geram outras informa- ções no sentido oposto e, no debate, acaba aprendendo mais e podendo formar uma opinião. A polêmica pegou fogo quando, em resposta à "denúncia" sobre a presença de petistas nas reda- ções, respondeu-se que mais danosa era a influência do Opus Dei entre os jornalistas. Como já disse em outro artigo, acho a polêmica equivocada: é a diversidade de cabeças numa redação que tende a anular qualquer desvio. Buscar uma Redação ideologicamente homogênea é não somente impossível, mas um tiro no pé, pois os jornais deixariam de oferecer informações isentas e se transformariam em panfletos.

O estranho nisso tudo é que, se é fato que há petistas nas redações (e jornalistas de outras tendências, o que é saudável), a influência do Opus Dei não faz o menor sentido. Quem a denuncia diz que ela é decorrência do curso "Master em Jornalismo", do Centro de Extensão Universitária (CEU), e da empresa de consultoria Innovation, que presta serviços a jornais de todo o mundo. O CEU, especializado em cursos de pós-graduação em Direito, Educação, Jornalismo e Medicina, com sede em São Paulo, tem uma ligação explícita com o Opus Dei. Innovation nasceu na Universidade de Navarra que, por sua vez, foi criada por São Josemaría de Escrivá de Balaguer, o fundador do Opus Dei. A partir desses dois fatos, os mais de duzentos editores que fizeram o "Master em Jornalismo" e as empresas de comunicação que contrataram os serviços de Innovation teriam passado, de algum modo, à zona de influência do Opus Dei. Essa suspeita é descabida. É como taxar de católicos fervorosos todos os alunos que saem da PUC-RJ, uma universidade de excelência.

Por duas vezes, fui convidado a dar palestras no "Master", e ali disse o que quis, sem nenhuma restrição. Quem visitar a página do curso verá que entre os conferencistas há pessoas de todos os matizes ideológicos, de todas as crenças religiosas e adeptos dos mais variados estilos de vida. Vi ali colegas ateus, agnósticos, cristãos, judeus e de outros credos. O mesmo posso dizer dos alunos, profissionais já gabaritados, em postos de chefia, numa idade em que não podem mais ser confundidos com chapeuzinho vermelho. De tudo o que sei do "Master" só posso assegurar que é um curso altamente recomendá- vel, que discute os principais aspectos do jornalismo, debate caminhos, mas se exime totalmente de fazer proselitismo religioso de qualquer tipo, seja de forma sutil, disfarçada ou explícita.

Da mesma forma, Innovation é um dos mais criativos grupos de consultoria em jornalismo do mundo. Tem escritórios em Londres, Miami, Pamplona e Milão, e hoje dá consultoria a 26 jornais em 17 países. Já teve entre seus clientes jornais tão díspares como o francês "Libération", o americano "USA Today", o inglês "The Observer", o espanhol "El País" e o argentino "La Nación". No Brasil, atendeu, entre outros, o "Estado de S. Paulo", a Editora Abril e a RBS. Só para ficar num exemplo, querer dizer que o "Libération" é ligado ao Opus Dei é piada. O GLOBO também já contratou os serviços de Innovation, em meados da década passada, e tirou muito proveito disso. Nunca consultor algum tratou de questões morais ou fez qualquer forma de proselitismo religioso. Tratava-se de uma consultoria técnica visando a auxiliar o jornal na aná- lise do mercado e, também, na busca de formas mais ágeis de se chegar às notícias, de se cobrir os assuntos, todos os assuntos, de maneira mais aprofundada e, ao mesmo tempo, acessível aos leitores.

Um dos resultados foi a organização da Redação em times e não mais somente em editorias. Antes, repórteres das editorias Rio, O País ou Jornal da Família, isoladamente, cobriam educação, mas também outros assuntos quando a pauta exigia. Com a criação do time de educação, passaram a atuar juntos e a produzir reportagens sobre o tema para todas as editorias. A especialização tornou o jornal mais ágil, aumentou a rapidez com que certas tendências são captadas e aproximou os repórteres de suas fontes. Muitos times foram criados, alguns fixos, outros temporários, para cobrir uma CPI, por exemplo, quando são necessários repórteres de diversas áreas (política, polícia, economia etc.). Deram origem a muitos furos, a muitos prêmios e a uma relação cada vez mais estreita entre leitores e jornal. Um dos times fixos mais produtivos foi o de comportamento. Graças a ele, o jornal pôde discutir, sem preconceito, com espírito de tolerância e com mais freqüência o dia-a-dia da revolução permanente nos costumes, em reportagens para o Jornal da Família hoje antológicas, como "Meu pai é gay", "Os dois pontos G das mulheres (e qual deles produz melhor orgasmo)", "Adultério mantém muitos casamentos", "Viciados em sexo", "Aparelhos para aumentar o pênis não funcionam", entre tantas outras. Como isso pode ser atribuído ao Opus Dei é uma tarefa que deixo para os críticos de Innovation.

O que mais me chocou em todo esse debate, porém, foi o tom acusató- rio contra aqueles que vivem a sua fé no Opus Dei. Fazer voto de pobreza, de castidade, de obediência e se impor o uso diário do cilício são atitudes que podem parecer estranhas à maioria de nós. Mas transformar os integrantes da prelazia, cidadãos como nós, numa espécie de atração circense me parece fora de qualquer propósito. Numa reportagem da revista "Época", o professor Carlos Alberto Di Franco, articulista de muitos jornais no país, foi indagado se não seria mais ético ele assinar seus artigos como adepto do Opus Dei. A pergunta é um escândalo. Imagine o absurdo se nós, jornalistas, passássemos a ter de assinar: fulano de tal, jornalista e muçulmano, ou jornalista e judeu, jornalista e cristão, jornalista e budista. Causaram-me constrangimento, sobretudo, as perguntas sobre questões de foro íntimo que a lei, no Brasil não obriga ninguém a responder. Mas a resposta que Di Franco deu a elas, de uma maneira ao mesmo tempo corajosa e tolerante, só o engrandeceu como ser humano.

O Opus Dei, apesar do nome, é uma obra humana e certamente não é imune ao erro. Criticá-la é um direito da imprensa, mas é nosso dever fazê-lo com isenção e sem preconceitos.