Até bem pouco tempo atrás, eu
sabia apenas o trivial sobre o
Opus Dei. Hoje, depois das
pesadas críticas que alguns
lançam contra a prelazia, sei um pouco
mais. Viver num país livre é isso: você é
atingido por informações parciais e
truncadas, que geram outras informa-
ções no sentido oposto e, no debate,
acaba aprendendo mais e podendo formar uma opinião. A polêmica pegou fogo quando, em resposta à "denúncia"
sobre a presença de petistas nas reda-
ções, respondeu-se que mais danosa
era a influência do Opus Dei entre os
jornalistas. Como já disse em outro artigo, acho a polêmica equivocada: é a
diversidade de cabeças numa redação
que tende a anular qualquer desvio.
Buscar uma Redação ideologicamente
homogênea é não somente impossível,
mas um tiro no pé, pois os jornais deixariam de oferecer informações isentas
e se transformariam em panfletos.
O estranho nisso tudo é que, se é fato que há petistas nas redações (e jornalistas de outras tendências, o que é
saudável), a influência do Opus Dei
não faz o menor sentido. Quem a denuncia diz que ela é decorrência do
curso "Master em Jornalismo", do
Centro de Extensão Universitária
(CEU), e da empresa de consultoria Innovation, que presta serviços a jornais de todo o mundo. O CEU, especializado em cursos de pós-graduação
em Direito, Educação, Jornalismo e
Medicina, com sede em São Paulo, tem
uma ligação explícita com o Opus Dei.
Innovation nasceu na Universidade de
Navarra que, por sua vez, foi criada
por São Josemaría de Escrivá de Balaguer, o fundador do Opus Dei. A partir
desses dois fatos, os mais de duzentos
editores que fizeram o "Master em Jornalismo" e as empresas de comunicação que contrataram os serviços de
Innovation teriam passado, de algum
modo, à zona de influência do Opus
Dei. Essa suspeita é descabida. É como taxar de católicos fervorosos todos os alunos que saem da PUC-RJ,
uma universidade de excelência.
Por duas vezes, fui convidado a dar
palestras no "Master", e ali disse o que
quis, sem nenhuma restrição. Quem visitar a página do curso verá que entre
os conferencistas há pessoas de todos
os matizes ideológicos, de todas as
crenças religiosas e adeptos dos mais
variados estilos de vida. Vi ali colegas
ateus, agnósticos, cristãos,
judeus e de outros credos.
O mesmo posso dizer dos
alunos, profissionais já gabaritados, em postos de
chefia, numa idade em que
não podem mais ser confundidos com chapeuzinho vermelho. De tudo o
que sei do "Master" só posso assegurar que é um curso altamente recomendá-
vel, que discute os principais aspectos do jornalismo, debate caminhos, mas
se exime totalmente de fazer proselitismo religioso de qualquer tipo, seja de
forma sutil, disfarçada ou explícita.
Da mesma forma, Innovation é um
dos mais criativos grupos de consultoria em jornalismo do mundo. Tem escritórios em Londres, Miami, Pamplona
e Milão, e hoje dá consultoria a 26 jornais em 17 países. Já teve entre seus
clientes jornais tão díspares como o
francês "Libération", o americano "USA
Today", o inglês "The Observer", o espanhol "El País" e o argentino "La Nación". No Brasil, atendeu, entre outros,
o "Estado de S. Paulo", a Editora Abril e
a RBS. Só para ficar num exemplo, querer dizer que o "Libération" é ligado ao
Opus Dei é piada. O GLOBO também já
contratou os serviços de Innovation,
em meados da década passada, e tirou
muito proveito disso. Nunca consultor
algum tratou de questões morais ou fez
qualquer forma de proselitismo religioso. Tratava-se de uma consultoria técnica visando a auxiliar o jornal na aná-
lise do mercado e, também, na busca
de formas mais ágeis de se chegar às
notícias, de se cobrir os assuntos, todos os assuntos, de maneira mais aprofundada e, ao mesmo tempo, acessível
aos leitores.
Um dos resultados foi a organização
da Redação em times e não
mais somente em editorias. Antes, repórteres das
editorias Rio, O País ou
Jornal da Família, isoladamente, cobriam educação,
mas também outros assuntos quando a pauta exigia.
Com a criação do time de
educação, passaram a
atuar juntos e a produzir
reportagens sobre o tema
para todas as editorias. A
especialização tornou o
jornal mais ágil, aumentou
a rapidez com que certas tendências
são captadas e aproximou os repórteres de suas fontes. Muitos times foram
criados, alguns fixos, outros temporários, para cobrir uma CPI, por exemplo,
quando são necessários repórteres de
diversas áreas (política, polícia, economia etc.). Deram origem a muitos furos,
a muitos prêmios e a uma relação cada
vez mais estreita entre leitores e jornal.
Um dos times fixos mais produtivos foi
o de comportamento. Graças a ele, o
jornal pôde discutir, sem preconceito,
com espírito de tolerância e com mais
freqüência o dia-a-dia da revolução permanente nos costumes, em reportagens para o Jornal da Família hoje antológicas, como "Meu pai é gay", "Os
dois pontos G das mulheres (e qual deles produz melhor orgasmo)", "Adultério mantém muitos casamentos", "Viciados em sexo", "Aparelhos para aumentar o pênis não funcionam", entre
tantas outras. Como isso pode ser atribuído ao Opus Dei é uma tarefa que deixo para os críticos de Innovation.
O que mais me chocou em todo esse debate, porém, foi o tom acusató-
rio contra aqueles que vivem a sua fé
no Opus Dei. Fazer voto de pobreza,
de castidade, de obediência e se impor o uso diário do cilício são atitudes que podem parecer estranhas à
maioria de nós. Mas transformar os
integrantes da prelazia, cidadãos como nós, numa espécie de atração circense me parece fora de qualquer
propósito. Numa reportagem da revista "Época", o professor Carlos Alberto Di Franco, articulista de muitos
jornais no país, foi indagado se não
seria mais ético ele assinar seus artigos como adepto do Opus Dei. A
pergunta é um escândalo. Imagine o
absurdo se nós, jornalistas, passássemos a ter de assinar: fulano de tal,
jornalista e muçulmano, ou jornalista
e judeu, jornalista e cristão, jornalista e budista. Causaram-me constrangimento, sobretudo, as perguntas sobre questões de foro íntimo que a lei,
no Brasil não obriga ninguém a responder. Mas a resposta que Di Franco
deu a elas, de uma maneira ao mesmo tempo corajosa e tolerante, só o
engrandeceu como ser humano.
O Opus Dei, apesar do nome, é uma
obra humana e certamente não é imune
ao erro. Criticá-la é um direito da imprensa, mas é nosso dever fazê-lo com
isenção e sem preconceitos.