Toda vez que sai a Síntese de
Indicadores Sociais do IBGE,
com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, é a mesma coisa: as páginas de
todos os jornais se inundam de matérias mostrando que o racismo no
Brasil é grande. Os números do IBGE
não mostram isso. Nem as análises
técnicas que precedem as tabelas.
Mas não adianta. Na atual maré pró-
cotas, só há olhos para ver racismo.
O IBGE sabe que não pode escrever aquilo que os números não mostram. Mas, nas entrevistas à imprensa, os técnicos avançam o sinal
e levam os jornalistas a uma conclusão que o próprio instituto se recusa a tornar oficial. Vejam o que declarou o pesquisador José Luiz Petrucelli: "Não se trata do racismo de
pessoas sobre pessoas, mas da estrutura da sociedade, que resiste a
integrar os pretos e pardos. Apesar
de o sistema de cotas ser emergencial e provisório, grandes institui-
ções como a Universidade de São
Paulo resistem a adotá-las."
A frase contém uma ofensa, uma
inverdade e um absurdo.
A ofensa é chamar de racistas os
membros do Conselho Universitá-
rio da USP. O que a universidade faz
é preservar o sistema de mérito: entram os melhores, independentemente da cor. Não há racismo, é justamente o contrário: ali não há filtro
racial. Em vez de cotas, a USP preferiu adotar mecanismos para tornar possível a entrada de pobres
em geral, e não somente de pretos e
pardos. E sem ferir a meritocracia.
É assim que patrocina um excelente
curso pré-vestibular, que já atendeu
a cinco mil alunos, voltado a estudantes de baixa renda. E acaba de
inaugurar um campus com cursos
noturnos, na Zona Leste de São Paulo, onde a população é majoritariamente pobre. As duas medidas têm
se mostrado efetivas.
A inverdade e o absurdo é dizer
que não se trata de um racismo de
pessoas sobre pessoas, mas da estrutura da sociedade. Como assim?
Então os brasileiros não são racistas,
mas as suas instituições são? Por
quê? Porque foram racistas no passado e deixaram de ser, esquecendose de reformar as instituições? Ou as
instituições são produto de poucas
mentes abjetas, com poder ditatorial, que tiranizam os brasileiros com
seus mecanismos racistas?
Nada disso faz sentido. O racismo
sempre é de pessoas sobre pessoas,
e ele existe aqui como em todas as
partes do mundo. Mas não é um tra-
ço dominante de nossa identidade
nacional. Por outro lado, nossas instituições são completamente abertas
a pessoas de todas as cores, nosso
arcabouço jurídico-institucional é todo ele a-racial. Toda forma de discriminação racial é combatida em lei.
Os mecanismos sociais de exclusão têm como vítimas os pobres, sejam brancos, pretos, pardos, amarelos ou índios. E o principal mecanismo de reprodução da pobreza é a
educação pública de baixa qualidade.
E é isso o que mostram os números
do IBGE. Uma leitura apressada, porém, leva sempre aos mesmos erros.
Diz-se que os brancos ganham o
dobro do que os pretos e pardos,
mas nada nos permite dizer que o
motivo seja o racismo; o motivo é
sempre a menor escolaridade de pretos e pardos, porque são pobres. Dizse que os brancos ganham sempre
mais que os pretos e pardos mesmo
quando têm o mesmo número de
anos na escola, e atribuem isso ao racismo. Mas não se dão conta de que
pretos e pardos, por serem pobres,
estudaram em piores escolas e que,
portanto, mesmo tendo o mesmo nú-
mero de anos na escola, receberam
um ensino de pior qualidade. E, em
conseqüência, têm empregos com
menor remuneração.
Diz-se que o número de analfabetos entre brancos é menor do que
entre pretos e pardos, mas a razão
não é o racismo; é sempre a falta de
escola determinada pela pobreza.
Já mostrei aqui que os indicadores
sociais de brancos pobres e pretos
e pardos pobres se equivalem. Com
base nos dados do IBGE, dizer que a
desigualdade entre brancos, pretos
e pardos é fruto do racismo é avan-
çar um sinal. Nada permite que se
veja no racismo a razão para as diferenças. Os pretos e pardos, na mé-
dia, têm indicadores sociais piores
do que os brancos, na média, porque pretos e pardos são maioria entre os pobres. Mas seus indicadores
são iguais aos dos brancos pobres.
Não importa. O processo parece
estar completo e, ao que parece, se
repetirá ano após ano. O IBGE coleta
dados e os divulga, fazendo cortes
raciais (quando o certo seria fazer
um corte de renda e analisar os indicadores sociais da pobreza). Os
pesquisadores do órgão interpretam
os números de acordo com suas
crenças pessoais. E decretam: o racismo é a causa da desigualdade. Os
jornais reproduzem acriticamente a
análise. E a política de cotas raciais
se justifica. Ano que vem será igual. É
assim que os desastres acontecem.
Deixaremos de ser a nação orgulhosa
de sua miscigenação para passar a
ser um país bicolor, cindido racialmente entre brancos e negros.