Este artigo também poderia
se chamar "As lições da História".
No início de 1939, já era evidente que o Reino Unido entraria em
guerra contra a Alemanha nazista. O
governo britânico começou então a
estudar medidas que dotassem o país
dos meios necessários para o combate. Em agosto daquele ano, o Parlamento aprovou a Lei de Poderes Emergenciais Para a Defesa — Emergency
Powers (Defense) Act — e, a partir dela, o governo decretou os "regulamentos de defesa", cada qual recebendo
uma numeração. O "Defense Regulation" 18b dava ao governo o poder de
prender, sem aviso prévio ou autorização judicial, cidadãos britânicos de
"origem hostil" (alemães naturalizados britânicos e descendentes de alemães) ou com notórias relações com
estrangeiros hostis. Também autorizava a prisão de suspeitos de praticar ou
de vir a praticar atos prejudiciais à segurança pública. Um outro regulamento de defesa permitia ao governo britânico prender todo estrangeiro de
origem hostil, mesmo aqueles que supostamente tinham saído da Alemanha fugidos da perseguição nazista.
O prisioneiro podia recorrer a um
conselho consultivo, que, analisando o caso, recomendava a manutenção da prisão, o relaxamento dela
sob condições ou a imediata liberdade. O serviço secreto era obrigado a
dar ao conselho informações sobre o motivo da prisão, mas o prisioneiro não podia ter acesso às explica-
ções. De todo modo, a decisão do
conselho era apenas uma recomendação: o Ministério do Interior não
era obrigado a segui-la, e, de fato, invariavelmente, mantinha a prisão
quando a recomendação era pela liberdade do preso. Cerca de mil britânicos e oito mil estrangeiros foram
mantidos presos, primeiramente em
penitenciárias e, logo depois, em
campos de detenção.
A maior parte dos britânicos presos era simpatizante do nazi-fascismo. Havia muitos de esquerda também. Eram chamados de a Quinta Coluna, súditos que ajudariam os nazistas numa possível invasão. Em 1940,
quando a situação era francamente
favorável aos nazistas, Churchill declarou: "O Parlamento nos deu poderes para reprimir com mão forte as
atividades da Quinta Coluna, e faremos uso desses poderes, sujeitos à
supervisão e a emendas da Câmara,
sem a mais ligeira hesitação, até que
estejamos convencidos de que essa
malignidade em nosso meio foi extinta de modo eficaz."
O serviço secreto manteve em
Ham Common, Richmond, entre
1940 e 1941, uma base clandestina,
Latchemere House, em que suspeitos de espionagem eram interrogados mediante métodos expressamente proibidos pela convenção de
Genebra (pouco se sabe sobre o assunto, porque os arquivos ainda estão sob sigilo). Podia-se ir preso por se reclamar do preço do pão ou por
se dizer num pub algo como "não vejo como ganharemos essa guerra". O
escritor Cyril Connolly foi preso
num hotel em Oxford porque parecia prestar muita atenção à conversa de dois oficiais.
Nos EUA, numa reação ao bombardeio de Pearl Harbor pelos japoneses em 1941, o presidente Franklin Roosevelt baixou o decreto 9066
em fevereiro de 1942, autorizando
os comandantes militares a designar
áreas do território nacional de onde
qualquer pessoa poderia ser banida.
Com base no decreto, todos os japoneses ou nipo-americanos foram removidos da costa oeste americana e
levados para campos de detenção
em Oregon, Washington e Arizona.
Alemães e italianos (mas não descendentes) da costa leste também
foram levados para campos. Ao todo, 120 mil indivíduos de origem japonesa (62% desse total eram cidadãos americanos) foram confinados. O mesmo aconteceu no Canadá, onde 75% dos detidos nos campos eram cidadãos canadenses.
Isso é o horror da guerra. Aconteceu há apenas 60 anos. Nações democráticas tomando medidas de exceção
para fazer vencer a democracia.
Hoje, quem estranha o Patriotic
Act americano ou as medidas antiterrorismo britânicas não conhece a
História. A aparente restrição às liberdades individuais nos EUA e a política britânica de atirar para matar
são atos de defesa de nações em guerra. A lição que a comunidade
muçulmana radicada em países do
Ocidente tem a tirar é uma só. Ela deve se alinhar com os países que as
acolheram, colaborando de maneira
explícita e engajada na caça aos terroristas. Seus líderes religiosos devem condenar da maneira mais veemente e sincera os radicais que aderem às idéias de Bin Laden, classificando-as como antiislâmicas. Do
contrário, se o terrorismo ganhar
ainda mais fôlego, cidadãos inocentes com origem em países islâmicos
pagarão o pato, não importam quantos sejam. A sociedade britânica já
mostrou o que pensa: lamentou a
morte do brasileiro inocente, mas
87% apoiaram integralmente a polícia nos primeiros dias. Mesmo agora,
diante do que revelaram as investigações, o que lá se condena são os erros grosseiros que levaram à morte
de Jean Charles de Menezes, mas não
a política do atirar para matar. Pode
ser algo chocante, mas mostra que a
sociedade britânica parece ter acordado para a realidade: deixou os protestos antiguerra do Iraque para trás
e se prepara para se defender. De novo, é o horror da guerra, uma espécie
de "antes eles do que eu".
Espero que a comunidade islâmica nos países ocidentais entenda
isso. Do contrário, o pesadelo vai
ser grande.
Este artigo poderia também se
chamar "Em causa própria".