Muito se debateu sobre a
popularidade do presidente Lula, que se mantém bastante elevada: segundo o DataFolha, 48% consideram
que ele vem fazendo um governo ótimo ou bom; 36%, regular; e 15%, ruim
ou péssimo. São praticamente os mesmos índices da pesquisa feita em março. Resumindo as análises, pode-se dizer que três fatores foram mencionados como os principais para explicar
por que a popularidade não caiu, mesmo depois do acidente da TAM, que
matou 199 pessoas: a maior parte dos
brasileiros é pobre, apenas 8% usam o
avião como meio de transporte e a
maior parte do povo não teria a capacidade crítica para ligar o acidente a
alguma falha do governo federal.
Eu não concordo com nada disso.
Em primeiro lugar, a pesquisa foi
muito ligeira, como todas as do gênero:
perguntou como o povo avaliava o governo, mas não perguntou por quê. A
única coisa que se pode dizer é que a
maior parte dos brasileiros considera
que a atuação do governo é ótima ou
boa ou regular. Qualquer passo além
disso é avançar o sinal.
Que essa maior parte dos brasileiros seja pobre não invalida em nada
essa avaliação: pobres ou ricos, todos temos discernimento, todos sabemos julgar o que é melhor para
nós. É assim na nossa vida pessoal, é
assim na nossa vida como cidadãos.
Isso não implica dizer que estejamos
sempre certos. Muitas vezes fazemos
uma escolha que resulta desastrosa
no futuro. Essas más escolhas não
nos tornam incapazes, mas apenas
confirmam o que somos: falíveis.
Olhar para a decisão da maioria e,
com olhos da minoria, julgar que a avaliação é positiva porque o povo não sabe julgar é uma pretensão descabida.
Por que a minoria está certa e a maioria, errada? Porque a maioria é pobre?
Porque, num país como o nosso, a
maioria é pouco instruída? Mas um
maior ou menor grau de instrução não
tira de ninguém a capacidade crítica, a
capacidade de julgar, de avaliar, de se
convencer da justeza dessa ou daquela
medida. Ser pobre ou ter pouca instrução não é ser irracional. O pobre sabe o
que é melhor para si, faz suas despesas
seguindo uma lógica comum a todos
nós (custo/benefício/necessidade), faz
suas escolhas depois de pôr na balança
os pontos positivos e os negativos.
Alguns dirão que os pobres podem
até agir como descrevo, mas, novamente, por falta de instrução, são incapazes de ver em perspectiva e julgam
bem o governo por consolos imediatos. Mal compreenderiam que as políticas assistencialistas de que se beneficiam vão lhe cobrar uma conta no futuro: o dinheiro que usam agora, ao
não ser aplicado em educação (único
instrumento que redime alguém da pobreza), será a sua eterna danação. Não
posso concordar com o raciocínio. Sou
um crítico dessas políticas e acredito
que suas conseqüências serão danosas, mas sou voz quase isolada. O povo
aprova tais políticas não porque seja
incapaz de julgar, mas porque foi convencido de que eram boas, depois de
um longo debate que se travou nas últimas eleições, quando nenhuma força
política falou mal do Bolsa-Família. Ao
contrário, ou lhe disputou a paternidade ou prometeu que o programa seria
ainda mais generoso. O povo, hoje,
participa de um consenso: não apóia o
Bolsa-Família simplesmente porque
desfruta dele, mas também porque todos os partidos são unânimes em dizer
que o programa é bom.
Pode-se dizer o mesmo sobre a frase
"É a economia, estúpido." Para alguns,
o povo julgaria bem o governo diante
de inflação baixa, desemprego menor e
comida barata, sem ser capaz de perceber que os méritos por essa situação
não são (somente) do governo e sem se
dar conta de que ele seria inepto e incompetente em áreas que não tocam
tão obviamente o dia-a-dia das pessoas.
Mas isso é, novamente, uma visão preconceituosa. Diante da aprovação, podem-se dizer três coisas: ou a oposição
não apresenta projeto melhor ou, se
apresenta, não o comunica de forma
convincente ou, então, o povo julga tudo, aprova o governo e ponto.
É evidente que educação só faz
bem. Seremos cidadãos mais conscientes e mais apegados a valores universais como liberdade, democracia e
respeito aos direitos humanos quanto
mais instruídos estivermos. O livro "A
cabeça dos brasileiros", de Alberto
Carlos Almeida, mostra isso. Mas, numa democracia, quando as idéias são
debatidas livremente durante campanhas eleitorais, até o menos instruído
dos homens é capaz de discernir qual,
entre várias propostas, é a melhor para si e para o país. Essa crença é a essência da democracia. Afastar-se dela
é extremamente perigoso.
Da mesma forma, seríamos um país
de monstros se tivesse algum peso na
avaliação da crise aérea o fato de que
92% da população não usam o avião:
"Não vôo, quero que quem voa se dane!" Apesar de também ser uma suposição (porque a pesquisa não mediu isso), é preferível imaginar que, mesmo
chocada com a tragédia, a população
julgou o acidente aéreo e concluiu, novamente, de duas, uma: 1) o governo teve pouca ou nenhuma culpa no acidente; 2) o governo teve culpa (pequena,
média ou grande, não sei), mas a atuação dele em outros campos mais do
que compensa seus erros no setor.
Uma dica pode ser dada por pesquisa
Datafolha anterior, feita três dias após a
tragédia, apenas em São Paulo: para
43% dos paulistanos, a atuação do presidente na condução da crise aérea foi
ruim ou péssima.
Uma coisa é certa: a população estava bem informada sobre as possíveis
causas da tragédia e, diante delas, fez o
seu julgamento (até aqui ignorado, já
que a pesquisa não responde a esse
ponto nacionalmente). Isso é apenas
mais uma prova, não do fracasso da imprensa, mas de sua vitalidade. O noticiário se manteve preso aos fatos, investigando, simultaneamente, as muitas hipóteses. E o povo chegou às suas
conclusões. É sempre assim.