"Popularidade", O Globo, 21/08/2007 | Artigos - Ali Kamel 

Autor: Ali Kamel

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"Popularidade", O Globo, 21/08/2007

Muito se debateu sobre a popularidade do presidente Lula, que se mantém bastante elevada: segundo o DataFolha, 48% consideram que ele vem fazendo um governo ótimo ou bom; 36%, regular; e 15%, ruim ou péssimo. São praticamente os mesmos índices da pesquisa feita em março. Resumindo as análises, pode-se dizer que três fatores foram mencionados como os principais para explicar por que a popularidade não caiu, mesmo depois do acidente da TAM, que matou 199 pessoas: a maior parte dos brasileiros é pobre, apenas 8% usam o avião como meio de transporte e a maior parte do povo não teria a capacidade crítica para ligar o acidente a alguma falha do governo federal.

Eu não concordo com nada disso.

Em primeiro lugar, a pesquisa foi muito ligeira, como todas as do gênero: perguntou como o povo avaliava o governo, mas não perguntou por quê. A única coisa que se pode dizer é que a maior parte dos brasileiros considera que a atuação do governo é ótima ou boa ou regular. Qualquer passo além disso é avançar o sinal.

Que essa maior parte dos brasileiros seja pobre não invalida em nada essa avaliação: pobres ou ricos, todos temos discernimento, todos sabemos julgar o que é melhor para nós. É assim na nossa vida pessoal, é assim na nossa vida como cidadãos. Isso não implica dizer que estejamos sempre certos. Muitas vezes fazemos uma escolha que resulta desastrosa no futuro. Essas más escolhas não nos tornam incapazes, mas apenas confirmam o que somos: falíveis.

Olhar para a decisão da maioria e, com olhos da minoria, julgar que a avaliação é positiva porque o povo não sabe julgar é uma pretensão descabida. Por que a minoria está certa e a maioria, errada? Porque a maioria é pobre? Porque, num país como o nosso, a maioria é pouco instruída? Mas um maior ou menor grau de instrução não tira de ninguém a capacidade crítica, a capacidade de julgar, de avaliar, de se convencer da justeza dessa ou daquela medida. Ser pobre ou ter pouca instrução não é ser irracional. O pobre sabe o que é melhor para si, faz suas despesas seguindo uma lógica comum a todos nós (custo/benefício/necessidade), faz suas escolhas depois de pôr na balança os pontos positivos e os negativos.

Alguns dirão que os pobres podem até agir como descrevo, mas, novamente, por falta de instrução, são incapazes de ver em perspectiva e julgam bem o governo por consolos imediatos. Mal compreenderiam que as políticas assistencialistas de que se beneficiam vão lhe cobrar uma conta no futuro: o dinheiro que usam agora, ao não ser aplicado em educação (único instrumento que redime alguém da pobreza), será a sua eterna danação. Não posso concordar com o raciocínio. Sou um crítico dessas políticas e acredito que suas conseqüências serão danosas, mas sou voz quase isolada. O povo aprova tais políticas não porque seja incapaz de julgar, mas porque foi convencido de que eram boas, depois de um longo debate que se travou nas últimas eleições, quando nenhuma força política falou mal do Bolsa-Família. Ao contrário, ou lhe disputou a paternidade ou prometeu que o programa seria ainda mais generoso. O povo, hoje, participa de um consenso: não apóia o Bolsa-Família simplesmente porque desfruta dele, mas também porque todos os partidos são unânimes em dizer que o programa é bom.

Pode-se dizer o mesmo sobre a frase "É a economia, estúpido." Para alguns, o povo julgaria bem o governo diante de inflação baixa, desemprego menor e comida barata, sem ser capaz de perceber que os méritos por essa situação não são (somente) do governo e sem se dar conta de que ele seria inepto e incompetente em áreas que não tocam tão obviamente o dia-a-dia das pessoas. Mas isso é, novamente, uma visão preconceituosa. Diante da aprovação, podem-se dizer três coisas: ou a oposição não apresenta projeto melhor ou, se apresenta, não o comunica de forma convincente ou, então, o povo julga tudo, aprova o governo e ponto.

É evidente que educação só faz bem. Seremos cidadãos mais conscientes e mais apegados a valores universais como liberdade, democracia e respeito aos direitos humanos quanto mais instruídos estivermos. O livro "A cabeça dos brasileiros", de Alberto Carlos Almeida, mostra isso. Mas, numa democracia, quando as idéias são debatidas livremente durante campanhas eleitorais, até o menos instruído dos homens é capaz de discernir qual, entre várias propostas, é a melhor para si e para o país. Essa crença é a essência da democracia. Afastar-se dela é extremamente perigoso.

Da mesma forma, seríamos um país de monstros se tivesse algum peso na avaliação da crise aérea o fato de que 92% da população não usam o avião: "Não vôo, quero que quem voa se dane!" Apesar de também ser uma suposição (porque a pesquisa não mediu isso), é preferível imaginar que, mesmo chocada com a tragédia, a população julgou o acidente aéreo e concluiu, novamente, de duas, uma: 1) o governo teve pouca ou nenhuma culpa no acidente; 2) o governo teve culpa (pequena, média ou grande, não sei), mas a atuação dele em outros campos mais do que compensa seus erros no setor. Uma dica pode ser dada por pesquisa Datafolha anterior, feita três dias após a tragédia, apenas em São Paulo: para 43% dos paulistanos, a atuação do presidente na condução da crise aérea foi ruim ou péssima.

Uma coisa é certa: a população estava bem informada sobre as possíveis causas da tragédia e, diante delas, fez o seu julgamento (até aqui ignorado, já que a pesquisa não responde a esse ponto nacionalmente). Isso é apenas mais uma prova, não do fracasso da imprensa, mas de sua vitalidade. O noticiário se manteve preso aos fatos, investigando, simultaneamente, as muitas hipóteses. E o povo chegou às suas conclusões. É sempre assim.