Em junho do ano passado, o governador do estado americano de Connecticut, John G.
Rowland, foi obrigado a renunciar em meio a um escândalo de
corrupção. Nada de verbas bilionárias, porém. Ele foi acusado de receber
de fornecedores do estado US$ 107 mil
na forma de viagens a Las Vegas e Flórida e obras em uma de suas propriedades. A renúncia não foi a sua maior
punição. Em abril passado, ele começou a cumprir pena de um ano e um
dia de prisão numa penitenciária federal. Também em abril, Keith McDonald
foi parar na cadeia. Ele era presidente
da Companhia Pública de Água de Carson, que abastece 17 grandes regiões
da Califórnia. McDonald foi condenado por ter aceitado US$ 30 mil em propina para liberar a concessão de uma
rede de abastecimento. O júri também
o condenou por ter pago US$ 15 mil de
suborno a três vereadores para que
apoiassem um projeto na Câmara. Trata-se de uma propina de US$ 5 mil para
cada vereador, uma ninharia perto das
cifras que se mencionam em nossos
escândalos de corrupção.
E, no entanto, nos EUA a corrupção
no governo não é tão freqüente como
aqui. O mesmo acontece no Reino Unido, na França e em países desenvolvidos. Para citar um exemplo, no Reino
Unido tem-se notícia de apenas dois
casos de repercussão nacional, nos últimos dez anos. O primeiro ocorreu
em 1993, quando John Aitken era o ministro encarregado dos contratos de
compra e venda de armamentos no
governo conservador de John Major.
Em setembro daquele ano, ele se reuniu secretamente em missão oficial
com príncipes sauditas no Ritz de Paris. Dois anos depois, quando já era
secretário do Tesouro, o jornal "The
Guardian" publicou reportagem denunciando que as diárias do hotel tinham sido pagas pelos sauditas. Aitken negou a acusação em grande estilo: "Se tiver de ser eu aquele que começará uma luta em nosso país para
cortar o câncer do mau jornalismo
com a espada simples da verdade, que
assim seja." Apresentou duas falsas
testemunhas e acabou condenado a
seis meses de prisão por perjúrio.
O outro caso é relativo a Peter Mandelson, acusado de irregularidades no
governo Blair: perdeu o cargo, foi inocentado, voltou ao governo, foi acusado de nova irregularidade e renunciou
novamente. Inocentado, hoje é ministro
da União Européia. Na França, o ministro das Finanças, Hervé Gaymard, perdeu o cargo há três meses porque se
descobriu que o estado pagava a ele
um apartamento de luxo, mesmo ele
sendo dono de um imóvel confortável.
No Brasil, ministros continuam
no cargo mesmo respondendo a
processos aceitos pelo Supremo
Tribunal Federal. Em nome da presunção de inocência.
No Reino Unido, a legislação anticorrupção data de 1889, quando foi editada a primeira de três leis sobre o assunto. A última delas, de 1916, criou a
figura da presunção de corrupção. Ou
seja, se ficar provado que alguém que
lidou com um agente público tiver dado um presente, uma quantia em dinheiro ou qualquer agrado a este agente, o presente, o dinheiro ou o agrado
devem ser tomados, a priori, como instrumento de corrupção a menos que o
acusado prove o contrário. No Brasil, é
diferente: cabe à polícia provar que o
presente, o agrado ou o dinheiro foram
instrumentos de corrupção. É a presunção de inocência. Há cinco anos o
governo britânico discute uma reforma
das leis anticorrupção, e a presunção
de culpa é um dos pontos que se quer
extinguir. Mas, até aqui, isso não foi feito, o que explica os poucos casos: contando os pequenos delitos, como corrupção policial, os registros anuais não
passam de 60. Na maioria, punidos.
Talvez aí resida a diferença entre
nós e os países desenvolvidos. Aqui,
os casos vêm à tona, a imprensa denuncia, a polícia investiga, mas os culpados não são punidos. Qualquer inglês ficaria espantado de constatar
que os protagonistas dos nossos maiores escândalos nos últimos vinte anos
jamais cumpriram pena. PC Farias chegou a ser preso, mas acabou morrendo
antes do julgamento, em liberdade, ao
lado da namorada, num crime jamais
esclarecido. Collor sequer foi a julgamento. Com a CPI do Orçamento, a
mesma coisa: nenhum dos anões foi
parar na cadeia. Em todos os casos de
repercussão nacional foi assim, um a
um: os envolvidos, quando detêm
mandato público, ou são cassados ou
renunciam, mas jamais vão para a prisão. É como se a maior pena fosse a
extinção da fonte de renda ilegal.
As exceções que confirmam a regra
são poucas. Cito o juiz Lalau e Jorgina
de Freitas, condenados e ainda presos.
O juiz Nestor do Nascimento cumpriu
parte da pena e, agora, desfruta da vida na Alemanha. Os responsáveis pelo
propinoduto, depois de alguns meses
na prisão, estão em liberdade. Foram
condenados num trabalho altamente
elogiável do juiz Lafredo Lisboa, mas
estão gozando do direito de aguardar
livres os recursos contra o julgamento. Lembro-me também de dois políticos que foram presos, temporariamente, mas até hoje não foram julgados: Jader Barbalho e Luiz Estevão. O
problema está em nossas leis. Não advogo a presunção de culpa, como no
Reino Unido. Nos EUA, a presunção é
de inocência também, mas, como provam os casos que abrem este artigo, lá
os corruptos são punidos.
O governo Lula comemorou as 926
prisões realizadas nos últimos dois
anos pela Polícia Federal no combate
à corrupção. Mas se esqueceu de dizer que usou sempre o expediente da
"prisão temporária", em que o sujeito
é preso para coleta de provas por cinco dias, improrrogáveis, e depois é libertado. A mesma PF, que contabiliza
com tanta precisão esse tipo de prisão, não sabe quantas delas se converteram em prisões mais longas ou
mesmo definitivas. Meu palpite é que
o número é próximo de zero.
A corrupção tem muitas causas: o
tamanho do estado, o nosso sistema
eleitoral, o baixo nível de nossos políticos, a cultura do levar vantagem.
Mas a impunidade tem exercido o papel decisivo. Afinal, tudo na vida é ditado pela relação custo/benefício.