"O Fórum Econômico
Mundial de Davos,
presidido por
Klaus Schwab, encerrou ontem cinco dias de encontro com um banquete ao ar livre. Para a elite empresarial do
mundo, o clima é mesmo de festa. Ao contrário de anos anteriores, quando os debates foram
pautados por ameaças — crise
russa, atentados de 11 de setembro, quebra da Argentina... —, a
expectativa é de que 2007 será
um ano fantástico para a economia mundial, sem choques no horizonte. A ponto de o moderador
do debate econômico, Martin
Wolf, do jornal 'Financial Times',
ter desabafado: 'Todo mundo está contente com a situação econômica. E, para um economista,
isso é muito deprimente.'"
Era assim que começava a reportagem publicada no GLOBO
de 29 de janeiro de 2007, apenas
um ano e dez meses atrás. Cito o
trecho porque, diante da crise
econômica sem precedentes que
os EUA e, por conseqüência, o
mundo vivem, o que mais me interessa é a capacidade de previsão do ser humano. Desde que a
ciência se firmou como o único
norte a ser seguido, todos nós
nos tornamos presas da ilusão de
que tudo, ou quase tudo, pode
ser previsto. Esta é mesmo a base
da ciência: diante de um determinado fenômeno, constroem-se hipóteses cujo grau de acerto se
afere justamente por sua capacidade de prevê-lo. Calma, não sou
um obscurantista, e é claro que
aceito a proposição como um
axioma. Mas, quando estamos no
campo das ciências humanas, o
grau de previsibilidade cai muitíssimo, e uma dose de humildade
deveria existir em abundância.
Não existe. Reli reportagens de
vários jornais, com previsões e
análises feitas por economistas
mundo afora. O grau de certeza
com que fazem os prognósticos
beira o de uma pitonisa dos tempos antigos. Ler, retrospectivamente, o que disseram chega a
ser constrangedor (creio que um
mal-estar tomou conta dos leitores ao ler o primeiro parágrafo
deste artigo). Apenas sete meses
depois do rega-bofe com que o
encontro de Davos terminou em
2007, eclodiu a crise do subprime, em que papéis lastreados em
hipotecas feitas por tomadores
com capacidade de pagamento
duvidosa despencaram quando
os mesmos tomadores, diante da
alta dos juros e da queda no valor
dos imóveis, honraram o rótulo e
deixaram de pagar as prestações.
Foi o início de tudo o que vivemos
hoje, mas, mesmo assim, os economistas continuaram a descrever o futuro sem que o futuro lhes
desse razão. É verdade que, no relatório anual divulgado em junho
de 2007, o BIS, o banco central
dos bancos centrais, alertou, solitariamente, para fraquezas e riscos do sistema bancário internacional, mas de uma maneira muito genérica e sem prever, nem de
longe, uma crise e muito menos
uma catástrofe. E, antes de fazer
suas ressalvas, começou o relató-
rio registrando que o consenso
das previsões econômicas era
que a excelente performance global continuaria. Haverá quem diga que isso é o máximo que um
organismo como o BIS pode fazer.
E talvez seja mesmo.
Para ser justo, Noriel Roubini,
professor da New York University,
anteviu a crise do subprime em
2004 e, em 2006, diante de uma
platéia de economistas num seminário do Fundo Monetário Internacional, previu uma crise com
um desenrolar trágico, que levaria à destruição de fundos de hedge, de bancos de investimentos e
de duas instituições gigantes,
Freddie Mac e Fannie Mae (citadas nominalmente por ele), enfim, tudo a que assistimos na semana passada. Seus críticos, porém, desdenham as previsões, dizendo que o professor, um outsider, sempre se caracterizou por
suas análises catastrofistas, repetidas por ele ao longo de anos e
anos. Anirvan Banerji, um diretor
de pesquisa de um respeitável
think tank americano, que teve o
azar de contestá-lo ao vivo e em
cores na reunião de 2006, diz hoje
que as previsões de Roubini não
passam de uma infeliz coincidência: "Até mesmo um relógio parado acerta as horas duas vezes a
cada dia." A favor de Banerji, diga-se que Roubini, por anos a fio,
disse que os EUA entrariam logo
numa recessão pesada e duradoura, e foi sucessivamente desmentido pelos fatos.
Não sou capaz de dizer se Roubini é um eterno pessimista, que
acerta quando o pior chega porque prevê sempre o pior, ou se ele
é um gênio solitário. Não posso
acreditar, porém, que a economia
seja uma ciência tão rudimentar a
ponto de existir, entre os seus,
apenas um capaz de enxergar os
fenômenos com certa clareza. Seja como for, um estudo citado pelo "New York Times" analisou o
que disseram os economistas antes de recessões que atingiram 60
países durante a década de 90:
em 97% dos casos, os economistas falharam em prevê-las com
um ano de antecedência. Nas raras ocasiões em que foram capazes de prevê-las, os economistas
subestimaram sua gravidade. E,
pior, muitos foram incapazes de
prever recessões que aconteceriam dali a dois míseros meses.
Prever o futuro é mesmo complicado. Não cobro aqui que economistas sejam sempre capazes
de prever crises ou catástrofes:
por definição, se fosse possível
prevê-las, elas simplesmente seriam evitadas ou antecipadas. Registro apenas que os economistas
têm sido muito peremptórios em
previsões que simplesmente não
se realizam e cegos diante de fenômenos que estão prestes a
acontecer. Deviam ser mais cautelosos num caso e mais perspicazes no outro.
Por que escrevo tudo isso? É
para me tranqüilizar e tranqüilizar os leitores. Diante do inferno
que estamos vivendo, já li previsões para todos os gostos. Gente
daqui e de fora até já puseram no
papel que o capitalismo e o liberalismo estão ameaçados. A estes, eu digo: menos, por favor,
menos.