Estudos da Organização Mundial de Saúde sobre suicídio
mostram que, considerando-se os países segundo as religiões
neles majoritárias, as menores taxas se encontram em nações
de maioria muçulmana. É um dado eloqüente. No Alcorão, como em outras religiões, a condenação ao suicídio é de fato explícita: "Ó fiéis, não cometais suicídio, porque Deus é Misericordioso para convosco. Aquele que tal fizer, perversamente e
de forma iníqua, introduzi-lo-emos no fogo infernal, porque isso
é fácil a Deus" (quarta surata, versículos 29 e 30).
Contraditoriamente, porém, de 1983 a 2000, foram 275 atentados
suicidas, cometidos por 15 organizações islâmicas em 12 países. Os
alvos eram americanos, europeus e, principalmente, israelenses.
Como isso pode acontecer? É uma questão de semântica. Como em
todas as religiões, também no islamismo aquele que morre em defesa de sua fé é considerado um santo, tem lugar na eternidade,
como os primeiros mártires cristãos, por exemplo.
É a isso que o Alcorão se refere: "E não creiais que aqueles
que sucumbiram pela causa de Deus estejam mortos; ao contrário, vivem, agraciados, ao lado do seu Senhor. Estão jubilosos por tudo quanto Deus lhes concedeu da Sua graça" (surata terceira, versículos 169 e 170). O que os terroristas fazem
é isso: em vez de chamar o suicida pelo que são, chamam-no
de mártir e dizem que ele morreu em defesa da religião, o que
não é fato. Pronto, o Paraíso está garantido, a face de Deus
será vista e haverá 72 virgens a servir o mártir.
Foram os xiitas que reintroduziram a prática do ataque suicida, adormecida desde o século XIII, com o fim da seita dos
Hashshashin (no século XVIII, houve surtos em Sumatra e Filipinas). O primeiro ataque contemporâneo aconteceu em
1983, no Líbano, quando o xiita Hezbollah atacou a Embaixada dos EUA. Na época, o líder xiita do Líbano, xeque
Muhammad Husein Fadlallah, manifestou reservas contra essa prática, o que levou o grupo a tentar, com êxito, respaldo
no Irã. Após a vitória sobre Israel, o Hezbollah diminuiu o nú-
mero de atentados, mas, em 1993, os sunitas ultra-radicais
Hamas e Jihad Islâmica começaram os ataques a Israel. A alQaeda foi o último grupo a entrar na arena, em 1998, contra
os EUA. A legitimá-los, os sauditas. Em 1989, o xeque Abd alAziz Bin Baz, já falecido, mas então a mais alta autoridade
islâmica da Arábia Saudita, classificou como uma guerra santa a luta dos palestinos contra Israel, o que abria caminho
para que os suicidas fossem considerados mártires combatentes. E, em meados dos anos 90, o xeque Muhammad Bin
'Uthaimin, outra alta autoridade islâmica saudita, abençoou
os ataques suicidas do Hamas. A comunhão de idéias entre
esses grupos, xiitas e sunitas, mostra como os interesses políticos tornam os homens mais pragmáticos: Bin Laden é um
ultra-ortodoxo (wahhabista), desses que, se apertam a mão
de um xiita antes das orações, sentem-se obrigados a fazer as
abluções rituais novamente. Se o assunto é homem-bomba,
porém, eles se entendem.
O perfil dos homens-bomba joga luz sobre as causas do fenô-
meno: são jovens, têm entre 18 e 27 anos, solteiros, desempregados, de famílias pobres, com o secundário completo e freqüentam escolas religiosas financiadas pelo Hamas, que tem uma rede
de centros educacionais e de caridade. Tornar-se um homem-bomba dá prestígio e dinheiro à família do morto (Saddam costumava
anunciar prêmios de US$ 25 mil dólares).
O mundo pode contribuir para o fim do fenômeno apoiando,
verdadeiramente, a criação de um Estado palestino — essa luta é
a origem de todo o ódio. E, como os muçulmanos radicais são
religiosos mas não fazem milagres (não multiplicam o dinheiro),
o remédio a ser aplicado pelas nações árabes deveria ser o clássico: cortar as fontes de financiamento, reprimir as lideranças, e,
fundamentalmente, implementar políticas que tirem os árabes da
miséria e levem democracia a eles. Nada disso é contra a alma do
muçulmano, pois um terço do Alcorão é dedicado a louvar as
virtudes da razão e do conhecimento. Mas os ditadores da região
acreditam que podem passar despercebidos de seus próprios
povos se alimentarem o ódio a Israel e apoiarem os homens-bomba. É uma ilusão: eles serão o próximo alvo.