Poucos conhecem o termo "wahhabismo", mas ele é fundamental para
se entender o extremismo religioso,
base do terrorismo islâmico. O movimento surgiu na Arábia do século
XVIII, pelas mãos de Muhammad ibn
Abd al-Wahhab. Vindo de uma família
de religiosos e professores, al-Wahhabi, desencantado com o que chamava
de degradação do islamismo, propôs
um retorno radical às origens, contra
todas as inovações. Tudo o que ele
pregou partiu da ênfase na base monoteísta da religião islâmica: adorar
apenas o Deus único.
A partir dessa idéia central, propôs
uma leitura literal (e para grande parte
dos muçulmanos, equivocada) do Alcorão. Recriminou o que chamou de
excessiva veneração ao Profeta Maomé, proibiu cultuar homens santos ou
apelar para a intermediação deles junto a Deus em orações, baniu a música,
a dança, o álcool e o fumo, impôs uma
condição de segunda classe às mulheres, tornou obrigatória a participação
dos homens nas orações nas mesquitas, proibiu a comemoração de datas
festivas (mesmo o aniversário de Maomé) e insistiu na validade das punições
físicas: adúlteros têm que ser apedrejados, ladrões devem ter o braço amputado, e a pena de morte deve ser
executada em lugares públicos. E o
mais importante: determinou que a
lealdade deve ser total ao soberano
que tiver o Alcorão como lei. Pregou a
volta ao tempo do Profeta, com a recriação do Califadoeareunião de todos os muçulmanos sob uma mesma liderança.
Um movimento religioso que caiu como uma luva à Casa de Saud, que guerreava então contra outras tribos para
tentar unificar a Arábia. Unidos, Wahhabi
e Saud obtiveram êxitos e fracassos, mas
foi somente no início do século XX que
um descendente seu, Ibn Saud, revivendo o wahhabismo do século XVIII, conseguiu vencer seus adversários e fundar
a Arábia Saudita. Desde o início, o
wahhabismo foi a religião de estado, com
grande ênfase na necessidade de manter
no poder um rei disposto a seguir a lei de
Deus. É uma seita tão sectária que sequer se admite como seita: chamar seus
seguidores de wahhabistas é, para eles,
uma grande ofensa; eles se consideram
apenas o verdadeiro Islã (todos os outros muçulmanos, sejam sunitas ou xiitas, são considerados inferiores).
A casa real saudita financiou todos
os movimentos nos países vizinhos
que pensassem de maneira igual, sem
imaginar o monstro terrorista que estava criando. Foi dinheiro saudita que
financiou a abertura de escolas (madrassas) wahhabistas em todo o mundo islâmico. E mesmo fora: 80% das
mesquitas nos Estados Unidos foram
construídas com dinheiro saudita. O
wahhabismo deu crias em todos os
países árabes.
Foi a armadilha em que caíram os
sauditas. Radicalizar o discurso religioso era uma necessidade para justificar
o poder, mas foi a radicalização desse
discurso que deu origem a um movimento ainda mais radical: o neowahhabismo de Osama bin Laden e dos outros movimentos terroristas. Em 1928,
bebendo na mesma fonte, foi criada no
Egito a Irmandade Muçulmana (em 54,
perseguidos por Nasser, muitos foram
para a Arábia Saudita, onde encontraram abrigo); o grupo terrorista palestino Hamas nasceu da Irmandade Mu-
çulmana; e o Talibã, que acabaria tomando o poder no Afeganistão, foi financiado no início pela Arábia Saudita.
Todos com um ideal pan-islâmico, com
a missão de destruir todos os que a
eles se opõem para que seja criado um
estado islâmico universal. E perfeito,
deliram.
Em 1979, a hipocrisia da casa real saudita, que pregava uma coisa, mas na prá-
tica levava uma vida de ostentação e luxo, fez um grupo de neowahhabistas tomar a mesquita de Meca, de onde só saí-
ram mortos (por comandos franceses,
diga-se). A Casa Real, em vez de liberalizar os costumes, tornou-os ainda mais
rígidos: as mulheres, que antes podiam
viajar ao exterior apresentando um documento do pai ou do marido, passaram
a só poder sair do país na companhia de
um homem da família; mulher ao volante
passou a ser uma proibição formal.
Entre liberalizar os costumes, e cair, e
radicalizar a rigidez da moral e dar origem a osamas, os sauditas têm preferido
a segunda opção, porque acreditam, erradamente, que osamas podem ser expulsos do país e terroristas, caçados (e,
de fato, o governo saudita tem tentado
reprimi-los internamente) . Quinze dos
19 seqüestradores dos aviões que se
chocaram contra o Pentágono e as Torres Gêmeas eram sauditas.
Esses fanáticos neowahhabistas são
o totalitarismo do século XXI. Acreditam-se superiores a todos os que não
pensam como eles, têm um projeto expansionista bem definido (unir o que
acham ser os verdadeiros muçulmanos
num estado teocrático como no tempo
do Profeta) e estão dispostos a morrer
para vencer essa luta. Já mostraram do
que são capazes quando têm um estado por trás, como no caso do Afeganistão. Impedir que o Iraque fosse o estado-substituto é o projeto dos Estados
Unidos. Eles esperavam que o mundo
visse nesses fanáticos o mesmo perigo.
O mundo não viu.
Amanhã, pretendo mostrar como
Bush, ao contrário do que muitos supõem, foi o presidente americano
que mais ouviu a ONU. Para ignorá-la
ao final.