Se você tem cinco minutos e faz
parte dos que ainda acreditam
que somos uma nação orgulhosa da mestiçagem entre brancos, negros, pardos, cafuzos, mamelucos, índios e amarelos, por favor, leia
este artigo. Uma parte da sociedade se
esforça para substituir esse ideal de na-
ção pelo que chamam de "a verdade":
seríamos uma nação bicolor, apenas
negros e brancos, onde os negros vivem mal porque os brancos são racistas. Como prova, exibem os números
do IBGE. O racismo existe aqui, como
em todo lugar, mas ele nem é um traço
dominante de nossa identidade, nem
pode ser provado por números.
A "Síntese de indicadores sociais de
2003" registra que praticamente 100%
das crianças de 7 a 14 anos, de todas as
cores, estavam na escola. Mas constata
também que, entre os jovens de 15 a 24
anos, metade dos brancos cursava o
ensino médio, enquanto a mesma proporção de negros ainda cursava o ensino fundamental. E, na mesma faixa
etária, 21,7% de brancos estavam no
ensino superior, contra apenas 5,6% de
negros. Concluir, porém, a partir desses
números que somos racistas é indevido. Porque seríamos esquizofrênicos:
para com crianças de até 14 anos, os
brancos seriam tolerantes, permitindo
o livre acesso de negros à escola. Mas,
assim que completassem 15 anos, os
brancos se transformariam em racistas
nojentos. Isso faz algum sentido?
Em 1991, 86,5% das crianças brancas
de 7 a 14 anos estavam na escola contra
apenas 71% das negras. Na época, muitos disseram que a razão era o racismo.
E a história provou que não: o que afastava as crianças da escola era a pobreza, porque eram compelidas a complementar a renda familiar. Duas iniciativas
do governo FH puseram um fim a isso:
o Fundef, que repassou dinheiro às prefeituras de acordo com o número de
matrículas, e o Bolsa-Escola, que garantiu aos pais o mesmo dinheiro que obtinham dos filhos. É razoável supor que o mesmo acontecerá nas faixas
etárias maiores, se o governo Lula mantiver os
programas e os estender
ao ensino médio. E, se a
qualidade do ensino também melhorar, as universidades estarão cheias
de pessoas de todas as
cores.
Mas os que vêem o
Brasil como racista gostam muito das tabelas
que mostram que brancos com "x" nú-
mero de anos na escola recebem sempre mais do que negros com igual escolaridade. Seria a prova cabal do racismo: duas pessoas igualmente preparadas, mas com salários diferentes. Já disse em outro artigo: duas pessoas podem passar o mesmo tempo na escola
sem receber educação de mesmo nível,
o mais pobre recebendo pior educação.
Educações diferentes, salários desiguais. Mas a tabela mais citada mostra
que analfabetos funcionais negros ganham 36% menos que os brancos. Nesse caso, não haveria desnível educacional que explicasse a diferença salarial.
Será? O Instituto Paulo Montenegro faz
pesquisas para estabelecer o Indicador
Nacional de Alfabetismo Funcional,
através de testes de leitura. No último
estudo, os pesquisadores lembram que
o IBGE seguiu sugestão da Unesco ao
considerar analfabeto funcional aquele
com menos de 4 anos de estudo, mas
se perguntam: "Será que
4 anos garantem o alfabetismo funcional?"
O Instituto quer provar que o analfabetismo
funcional pode atingir sé-
ries mais avançadas.
Mas, para nossos propó-
sitos, é valiosa a análise
sobre as diferenças entre
os que têm até 4 anos de
estudo. Entre aqueles
que jamais foram à escola, ainda assim 20% se
encontram no primeiro
de três níveis: têm habilidade baixa, só
localizam informações simples em
enunciados de uma única frase.
Entre aqueles que têm de 1 a 3 anos
de estudo, 32% são analfabetos absolutos, 51% estão no nível 1 e 18% estão no
nível 2: têm uma habilidade básica, capazes de localizar informações em cartas e notícias. Assim, é impossível pegar números frios do IBGE e garantir
que todos os que têm até 4 anos de estudo formam uma base homogênea. Seria necessário saber quantos brancos e
quantos negros estão nos níveis 1 e 2.
Mais importante, porém, é saber se
analfabetos funcionais, de mesmo nível,
trabalham em funções iguais, com salários diferentes. O IBGE não mede isso.
A única ocupação cujo rendimento o IBGE mede é a dos domésticos (a maioria,
analfabetos funcionais). Na média nacional, um doméstico branco ganha R$
228,60 e um negro, R$ 222,10. No Sudeste, os salários são iguais: R$ 255,20; no
Sul, no Nordeste e no Centro-Oeste, há
uma ligeira vantagem, mas para os negros. Portanto, onde o racismo poderia
estar mais presente, na casa das pessoas, ele não está. Ele é visto por bemintencionados que querem encontrar
soluções rápidas para pôr fim a desigualdades produzidas ao longo de sé-
culos, não pelo racismo, mas pela pobreza. O único caminho, porém, é investir na educação.
Cotas, facilitando artificialmente o
acesso à universidade, criarão mais desigualdade e frustração. O cotista, por
definição menos preparado, passará
mais tempo na universidade ou dela
sairá antes da formatura. E porá a culpa
no "racismo" dos brancos. O perigo é
transformar a nossa sociedade multicor e tolerante numa sociedade bicolor,
com ressentimentos mútuos. Talvez você tenha perdido mais do que cinco minutos. Mas o Brasil ainda tem tempo de
evitar o pior