l Sou contra guerras. Mas também
contra simplificações. Eu sei que
as multidões em todo o mundo já
se decidiram, mas eu admito que
possa haver outra resposta para a
pergunta: a guerra de Bush contra
o Iraque é uma luta contra o terror
ou apenas em busca de petróleo?
Em alguns artigos, vou usar a História, informações sobre o mundo
árabe e números da indústria do
petróleo para tentar mostrar que,
às vezes, as aparências de fato enganam.
A resposta americana à pergunta das multidões cita sempre,
sem explicar, o espírito de Munique. É uma referência aos anos
30, que, verdadeiramente, têm
muito a nos ensinar. Hitler assumiu o poder em 1933 e, desde o
início, denunciou o Tratado de
Versalhes pelas punições que impôs ao povo alemão: pesadas reparações de guerra aos vencedores, redução de território alemão
em 10%, proibição de fabricar
tanques, submarinos e armamento pesado, o estabelecimento do
limite máximo de cem mil homens para as forças armadas e a
decretação da Renânia como zona desmilitarizada.
E o que fez o mundo diante do repúdio de Hitler ao Tratado de Versalhes? Nada. Acreditou nas palavras de paz do ditador alemão,
que, a cada medida contra as limitações impostas à Alemanha, acenava com a oferta de novos tratados. Foi uma escalada em poucos
anos. Em 1935, Hitler instituiu novamente o recrutamento de homens para o serviço militar. Não
somente não foi contido como, no
mesmo ano, conseguiu assinar
com a Grã-Bretanha um tratado naval que reconhecia o direito da Alemanha de ter uma marinha de
g u e rr a .
Em 1936, o ditador ordenou que
o exército marchasse sobre a zona
desmilitarizada da Renânia. O pró-
prio Hitler esperava uma reação firme da França e dera ordens a seus
generais para que recuassem se
houvesse resistência. Não houve, o
que fez com que a ousadia de Hitler
fosse cada vez maior. Em 38, anexou a Áustria, e o mundo, com medo de uma guerra, ficou calado. No
mesmo ano, reivindicou para a Alemanha os territórios de língua alemã da Tchecoslováquia, os chamados sudetos. O mundo ficou à beira
de um conflito, mas França e Grã-
Bretanha adotaram a política do
apaziguamento.
Neville Chamberlain, primeiroministro britânico, esforçou-se
pela paz. Em 1938, depois de intensas negociações, aceitou participar de uma conferência em Munique, convocada por Hitler e da
qual participaram também o primeiro-ministro da França,
Edouard Daladier, e o ditador italiano Benito Mussolini. O que fez
Chamberlain? Cedeu os sudetos a
Hitler, sem consultar a Tchecoslováquia, e o fez assinar um papel
dizendo que aquela era a sua última reivindicação territorial.
Quando Chamberlain desembarcou em Londres, uma multidão o
aguardava em delírio em frente ao
número 10 de Downing Street, sede
do governo. O primeiro-ministro
leu um curto pronunciamento, dizendo que o acordo representava o
desejo das duas nações de nunca ir
à guerra novamente. E, sacudindo
o acordo com as mãos, disse para a
multidão: "Meus bons amigos, pela
segunda vez em nossa história, um
primeiro-ministro britânico retorna da Alemanha trazendo a paz
com honra. Eu creio que é a paz para o nosso tempo. Vão para casa e
tenham um sono tranqüilo".
As multidões também erram.
Seis meses depois, Hitler tomou o
que faltava da Tchecoslováquia e
em setembro de 1939 invadiu a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial. Evidentemente, Saddam não é Hitler nem o Iraque tem
o poderio militar da Alemanha nazista. Mas o que vou tentar mostrar
amanhã é que, para os Estados Unidos, o novo totalitarismo é o terrorismo dos fanáticos do Islã (que nada tem a ver com os muçulmanos
pacíficos de todo o mundo, a maioria). Como Hitler, eles se acham
uma raça superior, querem impor a
sua vontade ao mundo livre e, para
isso, pretendem exterminar aqueles que consideram impuros. E,
quando têm um Estado atrás de si,
provocam um grande estrago. Osama bin Laden não faria o World Trade Center sem o Afeganistão, e o
Iraque poderia vir a ser o seu substituto. É no que dizem acreditar os
americanos. Pode ser verdade