A
gente chega a uma idade
em que o passado já é grande o suficiente para que o
ceticismo aumente bastante. Não, não estou deprimido, mas
apenas imaginando se algum dia o
Rio de Janeiro terá os seus habitantes vivendo condignamente, sem favelas e com um nível mínimo de segurança. Quando eu era jovem,
acreditava que todos os problemas
eram devidos à falta de democracia:
votando, não seria possível que
uma população larga continuasse a
viver em locais onde não é possível
viver. Mas, então, uma desgraça se
abateu sobre nós. Graças a uma visão completamente míope, torta,
mas bem-intencionada, consolidouse a crença de que as favelas seriam
urbanizáveis. No primeiro governo
do Rio de Janeiro eleito depois do
golpe militar, Darcy Ribeiro, por
quem nutro uma simpatia enorme,
chegou a cunhar a frase que apenas
na boca de alguém como ele não se
tornava o suprassumo da perversidade: "Favela não é problema; é solução." Brizola, então, deitou e rolou: em vez de trabalhar por moradias dignas, com subsídios do estado, como seria apropriado a um socialista, optou por uma solução de
mercado. Mas de mercado selvagem, sem lei: levantou a proibição
que impedia a construção em alvenaria nas favelas, ou, em outras palavras, permitiu que o que era provisório se tornasse permanente. O
que os pobres fizeram? Gastaram a
poupança deles, que poderia ter sido canalizada para um programa
subsidiado de casas populares, em
cimento e tijolo para continuar a
morar em locais inabitáveis.
O que era crença virou certeza, e
todo o espectro político que governou o Rio (cidade e estado) manteve
a mesma política: de um lado, os governadores Moreira Franco, Marcello
Alencar, Garotinho, Rosinha e, agora,
Sérgio Cabral; de outro, os prefeitos
Cesar Maia, Luiz Paulo Conde e, agora, Eduardo Paes. Todos, sem exce-
ção, tentando transformar água em
vinho, para evitar uma metáfora pior.
Creio que um programa como o Favela Bairro pode funcionar apenas
em comunidades planas, grandes ou
pequenas, onde o arruamento é possível, onde o acesso fácil pode ser
obtido. Mas o programa e seus congêneres se mostraram ineficazes
quando se tentou aplicá-los em morros. Agora mesmo, Cabral, Lula e
Paes vão gastar uns poucos milhões
para continuar tentando o impossível: tornar dignas favelas como a Rocinha, o Cantagalo, o Alemão. Tudo
errado. O dinheiro é pouco se comparado a outras obras. Vão gastar R$
175 milhões na Rocinha e gastaram
R$ 408 milhões no Engenhão, esta é a
escala de prioridades de nossos governantes. Pensem na tal Cidade da
Música, de Cesar Maia, que consumiu R$ 550 milhões e ainda é somente osso. O que me angustia enormemente é que a coisa persiste.
O plano do governo para a expansão do metrô, agora, é levá-lo da Praça General Osório, em Ipanema, até a
Gávea, para que, algum dia, ele se encontre com a linha que vai até a Barra. A obra total custará R$ 3 bi e beneficiará 800 mil pessoas. Será isso
"a" prioridade? Agora, parece-me
que não: seria melhor transformar os
trens de subúrbio em metrô de superfície para atender a 3 milhões de
pessoas a um custo de R$ 2 bilhões.
O que angustia é que, se tivesse havido um senso de prioridade, o governo não teria de escolher entre essas duas obras, ambas prioritárias.
Como? Os R$ 958 milhões do Engenhão e da Cidade da Música teriam
sido suficientes para a compra de 60
trens com ar-condicionado e velozes.
Como já há aprovado no Banco Mundial um financiamento de R$ 506 milhões para a compra de 30 trens, hoje
faltariam apenas 68 composições para que as cinco linhas da rede ferroviária do subúrbio (210 quilômetros)
fossem completamente transformadas em metrô de superfície. Quando
se compara o benefício que o Engenhão e a Cidade da Música trouxeram à cidade com o que seria proporcionado pelo metrô de superfície, dá
uma angústia danada. Como mostrou
Sérgio Magalhães aqui nesta página,
se os subúrbios tivessem um moderno meio de transporte, eles seriam
uma área atraente para se morar, estariam muito próximos do Centro e
da Zona Sul (em termos de tempo), o
'Nisi bonum'
O cidadão
e a favela LUIZ GARCIA
Remoção
Seria possível
imaginar o Brasil
sem a presença do
Superior Tribunal
de Justiça?
sidade. E que nos levam a refletir sobre as vantagens de ampliarmos o
acesso à Justiça com poucos avanços ainda para alargar a sua saída.
Ainda assim, para se fazer merecedor do atributo de Tribunal da Cidadania, o STJ tem dado prontas respostas aos que batem às suas portas,
destacando-se pela qualidade das decisões, que passaram a nortear a jurisprudência nacional com reflexos
na nossa melhor doutrina. Decidir
bem e estabelecer parâmetros, contudo, não é tudo: há que se preocupar com os princípios e os valores
fundamentais da ordem jurídica e do
desenvolvimento do Brasil.
Tudo isso a exigir um STJ forte,
produtivo, inovador, moderno e
aparelhado para enfrentar os desafios futuros. Desafios que não nos
intimidam, quando serenamente
indagamos: seria possível imaginar
o Brasil sem a presença do Superior Tribunal de Justiça?
CESAR ASFOR ROCHA é presidente do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do
Conselho da Justiça Federal (CJF).
que viabilizaria a construção de bairros populares decentes e habitáveis
ao longo das linhas do trem.
Quando isso estivesse feito, quando os subúrbios estivessem a poucos minutos das áreas ricas do Rio
de Janeiro (como ocorre nas grandes capitais do mundo), a remoção
de favelas inviáveis deixaria de ser
um palavrão: morros inabitáveis, como Dona Marta, Pavão, Pavãozinho,
Cantagalo, Vidigal, parte da Rocinha, parte do Alemão, para citar
apenas alguns poucos, poderiam ter
as suas populações realocadas em
bairros decentes, com transporte
bom e barato. Trocariam uma casa
dependurada numa ribanceira, cercada por becos impossíveis de ser
urbanizados, por bairros populares
decentes e de fácil acesso.
Parece sonho? Olhando para o
passado, parece mesmo fantasia.
Mas olhando para o futuro, ainda dá
para sonhar. Por exemplo, eu dava
como certo que ninguém mais no Rio
queria ouvir falar em remoção. Mas
quando li, na coluna do Ancelmo
Gois, que "remoção foi satanizada,
mas não deveria", eu percebi que alguma coisa pode estar mudando. Afinal, o Ancelmo tem sido um dos nossos melhores radares.