No último debate entre os candidatos à Presidência, os 80
indecisos tiveram que fazer
cinco perguntas cada, sobre
vários temas, um deles a Previdência
Social. Como era de esperar, entre os
que se dedicaram ao tema, poucos fizeram perguntas de interesse geral. A
maioria se ateve a problemas pessoais, bem específicos, mas uma coisa
todos tinham em comum: a vontade
de se aposentar cedo. Evidentemente,
essa expectativa foi criada por nossas
próprias leis, que, até bem pouco tempo, permitiam a aposentadoria a qualquer tempo, desde que cumprido certo tempo de serviço.
Consegui junto ao Ministério da Previdência Social números preciosos que
mostram como nós, brasileiros, deixamos cedo o sistema produtivo. Na área
urbana, 36,62% dos aposentados deixaram de trabalhar quando tinham menos
de 50 anos de idade. Entre os homens,
esse percentual sobe para 41,52% e, entre as mulheres, cai para 28,6%. Quando
consideramos uma idade um pouco
mais elevada, mas ainda assim longe do
que poderíamos chamar de "terceira
idade", os números ficam ainda mais impressionantes. Mais da metade dos aposentados brasileiros, 54,76%, aposentou-se quando tinha menos do que 55
anos de idade. Entre os homens, esse
número sobe para assustadores 63,16%
e, entre as mulheres, fica em 41,45%.
Mesmo numa faixa etária bastante precoce, os números são expressivos: 18,38% dos aposentados começaram a
receber os benefícios do INSS quando tinham até 45 anos.
A base de dados do INSS será atualizada pelo censo que vem sendo feito, e
é possível que os números sofram alguma alteração, mas é quase certo que,
em linhas gerais, o quadro não mude. O
fator previdenciário, que premia quem
retarda a aposentadoria e pune quem a
antecipa, melhorou um pouco o quadro:
hoje, a idade média de brasileiros no
momento da aposentadoria passa a ser
de 57 anos para os homens, e de 53 para
as mulheres. Sob qualquer ponto de vista, idades ainda muito precoces.
No setor público a coisa não muda
de figura. Considerando-se apenas os
aposentados do Executivo federal,
uma população de 374 mil pessoas,
30,4% deles se aposentaram com idade inferior a 50 anos, um número muito expressivo. Se elevarmos um pouco
a faixa etária, verificaremos que 56,8%
se aposentaram com menos de 55
anos, portanto, ainda muito jovens.
Na Alemanha, Holanda, Suécia, México e Peru, a idade mínima é de 65
anos; na Argentina, 65 anos para homens e 60 para mulheres; na Colômbia
e em Cuba, 60 para homens e 55 para
mulheres; na Noruega, 67 anos para
ambos os sexos. Na França, em 2003, o
tempo mínimo de contribuição passou
a ser de 40 anos (antes era de 36,5). E
para estimular os franceses a adiar a
aposentadoria, o governo dá mais 3%
por cada ano a mais trabalhado a todo
aquele com 60 anos que já pode se aposentar (até o limite de 65 anos). No Reino Unido, a idade mínima é de 65 anos
para homens, e 60 para mulheres. O
tempo mínimo de contribuição é de 44
anos para homens e de 39 para mulheres. Lá, o Estado também garante apenas um benefício básico: 84,25 libras
por semana para uma pessoa sozinha,
ou 134,14 libras por semana para um
casal. Para manter o padrão de vida, os
britânicos são estimulados a poupar
durante a vida ativa ou a contratar planos privados de aposentadoria.
Mesmo assim, temendo o colapso da
Previdência, Tony Blair já mandou ao
Parlamento um projeto propondo que a
idade mínima seja de 65 anos para ambos os sexos em 2020, e, a partir daí, vá
subindo até atingir 68 anos em 2046.
Se compararmos com a situação internacional, o Brasil fica numa posição
inexplicável: é um país jovem e pobre,
mas tem uma despesa com Previdência
equivalente a um país rico e velho. Em
"Reforma da previdência, o encontro
marcado", livro de Fabio Giambiagi recentemente lançado, cuja leitura recomendo fortemente, há dados que impressionam. O Brasil, com apenas 6% da
população com 65 anos ou mais, gasta
com previdência 11,6% do PIB, o mesmo
que países como Reino Unido, Holanda
e Espanha, que têm uma proporção de
idosos muitas vezes maior: Holanda,
14%, Reino Unido, 16% e Espanha, 17%.
Giambiagi, como exercício, diz que, se
hoje ele já tivesse 57 anos de idade e 35
anos de contribuição, teria direito a
uma aposentadoria de R$ 2.200,00, e se
pergunta: "Qual é a justificativa para
que o governo desembolse esses recursos, quando, se eu tivesse nascido na
Suécia — um país com problemas muito
menores que os nossos —, eu deveria
trabalhar até os 65 anos?" Ele faz um
cálculo interessante. Em relação aos
suecos, ele gozaria a aposentadoria oito
anos mais cedo, e esses oito anos custariam ao governo, considerando 13 benefícios anuais, cerca de R$ 230 mil, que
poderiam estar sendo utilizados em
áreas fundamentais, como educação e
infra-estrutura. Giambiagi conclui: "Portanto, a afirmação de que 'o cidadão
que paga 37% ou 38% de carga tributária
não vê os recursos retornarem na forma
de serviços' deve ser qualificada: os recursos voltam na forma, entre outras
coisas, de aposentadorias precoces."
É por isso que as despesas com as
aposentadorias do INSS e do setor público consomem cerca de 56% de todos
os gastos não-financeiros do governo,
sobrando muito pouco para as outras
áreas. E é por isso também que, para
atender um milhão de funcionários públicos aposentados, o déficit é de R$ 32
bilhões e, para atender 21,1 milhões de
beneficiários do setor privado, o déficit
do INSS é de R$ 41 bilhões.
Mas os brasileiros ainda não estão
convencidos de que é preciso fazer uma
nova reforma da Previdência. Continuam sonhando com uma aposentadoria precoce. Talvez seja por isso que os
dois candidatos, naquele debate, tenham descartado qualquer mudança na
lei. A realidade, em breve, mostrará que
há sonhos impossíveis.